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FUNDAÇÃO CULTURAL DE NAVEGANTES APRESENTA:
PROJETO DE PESQUISA
SABER FAZER ARTESANAL
POR: RICARDO ISMAEL TESTONI
UM RETRATO SOBRE OS TRABALHADORES DA CONSTRUÇÃO
ARTESANAL NAVAL DE NAVEGANTES
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SUMÁRIO:
Introdução: ......................................................................................................... 3
Tema: Saber Fazer Artesanal ............................................................................ 4
Delimentação do tema:....................................................................................... 4
Questão problema: ............................................................................................. 4
Hipóteses: .......................................................................................................... 4
Justificativa: ........................................................................................................ 5
Objetivo geral: .................................................................................................... 7
Objetivos espeficos:......................................................................................... 7
Fundamentação trica ...................................................................................... 8
Patrimônio cultural .............................................................................................. 8
Patrimônio material ............................................................................................ 8
O que é tombamento? ........................................................................................ 9
Modelo da pesquisa: ........................................................................................ 11
Nossa origem e o saber fazer de nosso povo .................................................. 12
Entrevista 01- Vilma Marli Rebelo Mafra .......................................................... 12
Roteiro da entrevista junto aos mestres do saber fazer ................................... 18
Entrevistado 02 José Renato dos Passos ..................................................... 19
Entrevistado 03 Marcelo Ribamar Silva......................................................... 21
Entrevistado 03 Jocelmo Patrício .................................................................. 23
Entrevistado 04 Francisco Manuel Patrício ................................................... 31
Entrevistado 05 José Olavo Coelho .............................................................. 35
Referências bibliográficas: ............................................................................... 50
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INTRODUÇÃO:
Afim de, registrarmos e mantermos viva a cultura de um povo tão trabalhador e
de uma área geográfica tão rica denominada Navegantes, apresentamos a pesquisa
cultural intitulada: SABER FAZER ARTESANAL.
Conduzido pelo Psicólogo, Produtor e Gestor Cultural Ricardo Ismael Testoni, a
ação é realizada através da Fundação Cultural de Navegantes, em conjunto com a
Secretaria Especial de Cultura, através do Inciso III da Lei Aldir Blanc, sendo que
todo o material está disponibilizado de forma online e gratuita para todos os leitores.
O produto entregue através de pesquisa qualitativa remonta a memória cultural
e possui como público alvo, amantes da leitura, gestores públicos, produtores,
artistas, fazedores de cultura, alunos e professores de diferentes esferas da
educação, e comunidade em geral interessada, que desejam conhecer e se
reconhecer adentrando na trajetória histórica e cultural dos trabalhadores da
construção naval de nosso município.
Os relatos obtidos através de entrevistas junto aos atores sociais da cultura
popular navegantina, são contados através do filtro” de cada entrevistado
expressando e narrando um pouco da história de Navegantes, bem como o percurso
construído pelos mestres do saber fazer na arte da construção artesanal naval.
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TEMA: SABER FAZER ARTESANAL
DELIMENTAÇÃO DO TEMA:
Este recorte visa à produção e publicação de pesquisa histórica, referente
às manifestações culturais tradicionais, sobre mestres da cultura popular e bens
tangíveis de valor histórico, característicos de nosso município no que tange o saber
fazer dos trabalhadores navais, especialmente os calafates, carpinteiros, pintores e
eletricistas que atuam nessa cadeia de construção ou recuperação de barcos de
madeira. O conteúdo foi produzido através de pesquisa qualitativa, bibliográfica,
documental, e pesquisa de campo com realização de entrevistas abertas. O trabalho
aborda também questões voltadas ao patrimônio material, imaterial e conceito de
tombamento.
QUESTÃO PROBLEMA:
Com o advento da tecnologia, se não construirmos uma política pública de
manutenção, registro e proteção, corremos o risco de perder e esquecer nossas
raízes, as quais se encontram justamente nessas formas e elementos que
contribuem para a formação da nossa identidade como município e como povo.
HIPÓTESES:
O material apresentado visa iniciar um registro histórico, bem como servir de
fonte de estudo e inspiração para que outras pessoas em especial os jovens,
possam conhecer sobre esta arte do saber fazer artesanal. A investigação contribuiu
com a manutenção da memória dessa tradição cultural e que hoje pode ser
caracterizada como um dos patrimônios imateriais de nosso município. O conteúdo
colabora com a ótica de novas iniciativas de pesquisa, por parte de historiadores,
produtores, gestores públicos, e principalmente comunidade, uma vez que muitas de
nossas famílias possuem em suas casas um acervo composto por documentos ou
objetos que podem ter algum interesse histórico, ou até mesmo conviver com algum
mestre do saber fazer artesanal que possa vir a contribuir com sua experiência,
cultura, talento e história na ampliação desse registro.
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JUSTIFICATIVA:
As canoas, bateiras, os pequenos e médios barcos de madeira fazem parte da
vida cultural, econômica e social dos moradores de Navegantes, em especial os das
comunidades que beiram o Rio Itajaí Açu, como o bairro Machados, Volta Grande e
São Pedro, carinhosamente conhecido como Pontal. O Pontal, aquela faixa de terra
que ficava entre o rio e o mar, inspiração para os jornalistas e poetas de Itajaí,
compreendia: “Praia de Itajaí”, onde estavam os engenhos de farinha de mandioca e
as suas roças; e o “Arraial do Pontal”, o povoado onde se estabeleceram os
marítimos e pescadores”. (Oliveira, Didymea lazzaris, 2012).
Quem mora ou visita a cidade de Navegantes tem no Bairro São Pedro um
local místico e de renovação de energias. Tem no local um de nossos cartões,
postais e o ponto turístico mais visitado. Quem chega para contemplar consegue
observar a entrada e saída de navios e as diferentes modalidades de transportes
fluviais que se apresentam de rios tipos, cores e tamanhos deslocando pessoas e
mercadorias em um ritmo único, dando vida e uma essência própria ao local.
Portanto, aquela faixa de terra denominada “Pontal de Areia” origem ao
primeiro nome de Navegantes: o Pontal”, onde ficava o Arraial do Pontal, (arraial
lugarejo) que se referia ao aspecto físico do lugar. (Oliveira, Didymea lazzaris, 2012).
Paralelamente as pessoas que hoje chegam ao Pontal para contemplar a
paisagem, ou recordar sua história estão os carpinteiros e calafates. Sem nos
darmos conta, o estes mestres do saber que, enfrentando situações adversas no
avanço da tecnologia, produzem e dão forma em cores diversas e diferentes moldes
os barcos de madeira que embelezam a paisagem na beira do Rio Itajaí Açu e que
trazem o sustento para muitas de nossas famílias.
Sabemos que as condições de trabalho, a utilização de novas formas de
construir e novas matérias primas, além da modernização dos grandes estaleiros e o
surgimento de novas tecnologias acabam afastando os jovens e diminuindo o
interesse dos mesmos em dar continuidade a esta prática cultural artesanal. Esses
artefatos seculares (GUALBERTO, 2009; CORREA, 2016; SALORTE, 2014),
especialmente as canoas de madeira, aos poucos vêm sendo substituídos pelas
rabetas motorizadas, fabricadas, atualmente, com alumínio, em decorrência das
restrições e das exigências ambientais impostas pelas agências governamentais.
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Tanto para quem é nativo quanto para quem foi adotado por Navegantes, como
eu, quando se depara com as embarcações artesanais as identifica como um
patrimônio cultural, gerando diferentes tipos de sentimentos e sentidos de
pertencimento ao lugar. Em nossa região, a construção naval tradicional é, ainda,
formada basicamente por proprietários de estaleiros, alguns pescadores e por
trabalhadores navais que, detentores de um conhecimento tradicional, passado de
geração para geração, conseguem atender a demanda naval no que se refere à
construção e ao conserto de barcos de madeira. Contudo, esses mestres do saber
estão cada vez mais escassos.
Nesta nova realidade, apresentada pela pandemia de Covid-19 o registro
virtual tem se mostrado uma grande ferramenta de transformação cultural, social e
educacional, desta forma o material produzido será disponibilizado de forma virtual e
apresentará diversos registros e memorias individuais que, juntas, consolidam a
nossa memória social e cultural.
As histórias de vida e atuações profissionais contadas pelos entrevistados
servirão como uma rica fonte para o entendimento de nossa cultura, de nossos
valores, do sentimento de pertença e enraizamento.
Chamo a atenção do leitor para refletir tamm sobre o processo de
aculturação, que sofremos ao longo dos anos, haja vista que somos berço de vários
povos, e que passamos gradativamente por modificações culturais, pois, à medida
que recebemos novos grupos e pessoas em nosso habitat nos adaptamos aos seus
costumes, repassando os nossos aos deles e retirando traços significativos para
constituição da nossa cultura como um todo.
Esta pesquisa está na sua primeira edição, não a considero finalizada, pois
existem muitos dados a serem coletados e entrevistados que ainda não fazem parte
deste material. Ela é o início de um trabalho embrionário que visa estimular, ampliar
os registros e identificar quem o estes professores, onde eles estão, e quais os
saberes artesanais, tradicionais da nossa comunidade, desenvolvidos por esses
atores sociais, e mestres do saber que formam nossa cultura.
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OBJETIVO GERAL:
Produzir um registro histórico sobre o saber fazer de trabalhadores da
construção artesanal naval de Navegantes. META: Realização de
pesquisa bibliográfica, documental e pesquisa de campo através de
entrevistas com diferentes atores sociais e mestres da cultura popular.
OBJETIVOS ESPECÍFICOS:
Registrar de forma fidedigna a coleta de informações obtidas junto aos
entrevistados e demais fontes de pesquisa. META: Organizar a
produção através de registros de áudio, vídeos, fotos, além de
documentos impressos e virtuais.
Permitir o acesso do material produzido na pesquisa ao maior mero
de leitores possíveis. META: Publicar o trabalho no site
https://dancarebrilhar.com.br/ e veicular o conteúdo tamm em outras
plataformas digitais com destinação pública para melhor alcance e
difusão do trabalho.
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FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA
PATRIMÔNIO CULTURAL
O Patrimônio Cultural pode ser definido como um bem (ou bens) de natureza
material e imaterial considerado importante para a nossa cidade, para identidade
cultural de um povo ou de uma comunidade.
A nossa constituição federal define patrimônios como: "as formas de
expressão”, os modos de criar; as criações científicas, artísticas e tecnológicas; as
obras, objetos, documentos, edificações e demais espaços destinados às
manifestações artístico-culturais; além de conjuntos urbanos e sítios de valor
histórico, paisagístico, artístico, arqueológico, paleontológico, ecológico e científico.
Tamm podemos considerar como patrimônio cultural o conjunto de todos os
bens, oriundos de manifestações populares, festas, movimentos religiosos, que
possuem reconhecimento local em virtude das ações de seus antepassados. O
patrimônio possui importância histórica e cultural para, uma comunidade, um povo,
uma região, uma cidade um país e adquirem um valor singular e simbólico para os
mesmos.
PATRIMÔNIO MATERIAL
Podemos considerar que um patrimônio material são os bens que conseguimos
tocar, sentir com as mãos, como por exemplo: construções antigas, ruínas, sítios
arqueológicos, acervos museológicos, documentos dentre outros.
Citamos como exemplo de bens materiais brasileiros os conjuntos
arquitetônicos de cidades como São Francisco do Sul, aqui em Santa Catarina,
Antonina no Paraná, as famosas cidades de Ouro Preto em Minas Gerais e de
Paraty no Estado do Rio de Janeiro. Tamm podemos citar exemplos de
patrimônios materiais os que se caracterizam como paisagísticos, como as Grutas
do Lago Azul e de Nossa Senhora Aparecida localizadas na cidade de Bonito em
Mato Grosso do Sul e o Corcovado, famoso cartão postal da cidade e Estado do Rio
de Janeiro.
o nosso principal exemplo de patrimônio material em Navegantes é a casa
do Escalvado, que foi tombada nos termos da Lei 2532 de 02 de dezembro de 2011
como Patrimônio Histórico de Navegantes. A popular casa localizada no Bairro de
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Escalvado, interior de Navegantes, foi construída no século XIV, por volta do ano de
1890 e possui importância histórica não para o nosso munipio, mais para a
região litorânea da foz do rio Itajaí Açu, por se caracterizar como um dos poucos
imóveis diferenciados arquitetonicamente em Navegantes. Apesar, de nossa origem
açoriana e portuguesa a casa possui características que são capazes de registrar a
tipologia e arquitetura oriundas da imigração alemã.
Conforme dados municipais, seu restauro teve início no começo de 2019
através de financiamento da Lei Federal de Incentivo à Cultura, que contou com
patrocínio de grandes empresas da região como a Portonave e o grupo GMEG. No
começo de 2020, com patrocínio da Prefeitura Municipal de Navegantes através de
edital de incentivo à cultura, a restauração pode galgar por novas fases.
O QUE É TOMBAMENTO?
Tombamento é um registro. A palavra TOMBO significando REGISTRO
começou a ser utilizada pelo Arquivo Nacional Português, em 1375. O TOMBO era
um local instalado em uma das torres da muralha que protegia a cidade de Lisboa. O
tempo foi passando e o local passou a ser chamado de Torre do Tombo. Nesse local
eram guardados os livros de registros especiais.
Em âmbito federal o instrumento do tombamento está instituído no Decreto-Lei
25 de 20 de novembro de 1937. Esse decreto foi o primeiro instrumento brasileiro
e das Américas voltado para a proteção de nosso patrimônio cultural sendo que o
mesmo está em uso até hoje. No Brasil o IPHAN é responsável por bens móveis e
imóveis tombados.
O tombamento de qualquer bem patrimonial pode ser feito nas esferas federal,
estadual ou municipal desde que em cada uma dessas instâncias exista órgãos e
leis que possam instituir o reconhecimento e a importância desses bens. O decreto
define que Patrimônio Cultural é um conjunto de bens móveis e imóveis existentes
no país e cuja conservação é de interesse público quer por sua vinculação a fatos
históricos brasileiros, quer por seu valor arqueológico, etnográfico, bibliográfico ou
artístico.
Estão sujeitos a tombamento os monumentos naturais, sítios e paisagens que
sejam significativos e precisem de conservação e proteção. No Brasil, o Decreto de
1937 adotou a mesma expressão para que todo o bem material que precisasse de
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cuidados e preservação recebesse por meio de um ato administrativo e fosse inscrito
no Livro do Tombo correspondente.
O objetivo do tombamento de um bem cultural, portanto, é impedir sua
destruição ou mutilação, mantendo-o preservado para as gerações futuras. Qualquer
pessoa física ou jurídica pode solicitar o tombamento de qualquer bem. Essa
solicitação deve ser feita direto ao IPHAN ou diretamente ao Ministério a qual o
mesmo é subordinado.
Para que o bem seja de fato tombado ele vai passar por um processo
administrativo que vai analisar a sua importância em âmbito nacional. Todos os bens
tombados estão sujeitos à fiscalização que o IPHAN vai realizar para inclusive
verificar suas condições de conversação.
Uma vez um bem tombado não é possível fazer qualquer alterão nele sem
autorização do órgão responsável. Este fato torna o tombamento difícil, haja vista
que locais considerados de patrimônio cultural, possuem seus donos e herdeiros
naturais, que muitas vezes não desejam submeter seu patrimônio a esse processo,
pois, possuem outros tipos de interesses como financeiros, administrativos e/ou
pessoais.
os patrimônios imateriais estão relacionados à história das pessoas, aos
costumes e tradições passados de geração para geração, através de um senso
comum, vinculado às habilidades, às crenças, às práticas que são relacionadas ao
modo de ser e de saber fazer de uma pessoa e/ou de um povo. Esses aspectos, em
virtude de sua relevância, simbolismo e significado podem vir a ser considerados
como bens imateriais de um local, de um povo. Por não serem palpáveis, muitas se
tornam tão ou mais difíceis de serem preservados do que os grandes patrimônios
materiais.
Os bens imateriais então são aqueles originados de conhecimentos enraizados
no dia a dia de uma comunidade como as manifestações, cênicas, literárias,
musicais, brincadeiras, festas e rituais religiosos, além de lugares específicos que
marcam a memória e a história. Podemos citar como exemplo próximo a nós a Festa
de Nossa Senhora dos Navegantes onde as pessoas se concentram no Santuário
local e reproduzem diversas práticas culturais, entre elas a famosa procissão fluvial
com a imagem da Santa, sendo transportada em procissão por pescadores e
devotos pelo Rio Itajaí Açu. Esta festa navegantina, é uma das mais antigas e
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conhecidas em todo o território nacional, atraindo fiéis e turistas para acompanhar
esta tradição, que luta para se manter e preservar suas origens. Na lista de grandes
bens imateriais conhecidos brasileiros podemos citar tamm, a Feira de Caruaru, o
Frevo, a capoeira, e as rodas de Samba no Rio de Janeiro.
MODELO DA PESQUISA:
A pesquisa visa estimular historiadores, gestores públicos, profissionais da
iniciativa privada, jovens, moradores e outros projetos culturais e sociais a
conhecerem a trajetória cultural desses mestres do saber da construção artesanal
naval. O material apresentado trás subsídios e permite aos leitores darem asas a
sua imaginação.
Para compilar todo o material foram realizadas pesquisas bibliográficas,
registros documentais com fotos e vídeos e pesquisa de campo através de
entrevistas. Para condução das entrevistas foi elaborado um roteiro com perguntas
abertas para serem lançadas aos entrevistados. Na pesquisa de campo, para
identificar os possíveis mestres da cultura popular, procurei contatar especialmente
historiadores, pescadores e profissionais calafates, carpinteiros, pintores e
eletricistas que ainda atuam nessa cadeia de construção ou recuperação de barcos
de madeira.
A estratégia das entrevistas foi a de realizar a mesma em caráter mais
exploratório, com foco na subjetividade do entrevistado. Dessa forma, foi possível
obter respostas mais espontâneas e menos direcionadas. Além da interpretação de
comportamentos, que fica a critério e análise também de cada leitor. A
pesquisa auxilia a identificar hipóteses para resoluções de problemas, além de
resgatamos nossa memória, questionarmos o passado, o presente e vislumbrarmos
o futuro. A entrevista remete a uma busca na memória por seus saberes tradicionais
e o universo que o envolve, bem como aos elementos enraizados na vivência de
cada um que utiliza de seus conhecimentos, aprendidos na vivência com seus
antepassados e que permanecem vivos nos dias atuais, através de suas
embarcações de madeiras dentre outros costumes. Além das perguntas abertas, que
propiciam margens para novas descobertas, solicitei aos entrevistados, autorização
de uso de imagem, e a possibilidade da realização da gravação do áudio de suas
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falas, para que as mesmas pudessem ser guardadas, transcritas de forma fidedigna
ao corpo da pesquisa.
NOSSA ORIGEM E O SABER FAZER DE NOSSO POVO
ENTREVISTA 01:
Para iniciar a pesquisa histórica e ampliar as informações encontradas em
pesquisa bibliográfica, a primeira entrevista se deu com a senhora Vilma Marli
Rebelo Mafra, afim de, buscar as memórias de nossa gente e identificar as famílias
pioneiras na arte do saber fazer artesanal de nossa região.
Vilma Mafra como é conhecida é formada em Letras pela UNIVALI e
Especialização nas áreas de Metodologia do Ensino e de Supervisão pela faculdade
Sinergia, com atuação na Rede municipal de Navegantes como Supervisora de
Língua Portuguesa. Docente na educação pública e particular no Fundamental,
Médio e Superior. Membro da Academia de Letras do Brasil Seccional Sinergia, da
cadeira 14, imortalizada em 2016 e membro fundador e em atividade do Conselho
Municipal de Cultura de Navegantes, dedicando-se atualmente à revisão de obras
científicas e literárias. Contribui com produções jornalísticas nos periódicos da
cidade e região representando Navegantes. Tem uma produção poética, cuja
inspiração foi quase sempre motivada por eventos políticos e sociais, sendo autora
do Hino de Navegantes e do livro Conversas do imaginário popular.
1 - Como se o processo de colonização de Navegantes e de que maneira
essas origens se entrelaçam com o saber fazer artesanal?
A colonização no Brasil data de 1500, mais a imigração, em especial dos
portugueses para Santa Catarina, teve início realmente por volta de 1700, durante
um período de guerra, uma revolução entre Portugal e Espanha. A cidade de São
Francisco do Sul possui registros do ano de 1500, porém não eram expedições
colonizadoras, eram expedições voltadas para aquisição de riquezas.
Partindo dessa concepção, os Portugueses de Portugal vieram para São Paulo,
posteriormente desceram pelo litoral, se alojando em São Francisco do Sul, para em
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seguida chegar a nossa região de Penha, Navegantes e Itajaí. Esses todos eram
originários do continente, da Península Ibérica.
Os Açorianos, primeiramente se estabeleceram em Florianópolis, e Ganchos e
vieram subindo gradativamente pelo litoral até chegar a Navegantes. Podemos
ressaltar que a imigração Açoriana não começou por causa de guerra, ela iniciou por
causa da fome, no ano de 1750 aproximadamente. Em Florianópolis esses
açorianos também encontraram muitas dificuldades, o que motivou a saída da ilha e
a essa vinda para o nosso litoral. Aproximadamente em 1800 a ilha de Florianópolis
foi totalmente tomada politicamente, os tradicionais fortes que hoje são pontos
turísticos, se transformaram na época em prisões, na qual se tem relatos de mortes
e de tortura de muita gente, havia uma política de extermínio muito grande de
brasileiros e portugueses.
Logo, Navegantes recebe a influência dessas duas vertentes que se
encontraram aqui entre Itajaí e Penha. Então nós recebemos a transmissão de
cultura dessas duas origens, dos portugueses de Portugal e dos Açorianos. É uma
tomada de posse muito bonita, com muita gente para explorar a região, oriundas de
duas correntes migratórias. Nesse período foi se firmando as estadias, os ranchos
de pesca, as roça de aipim, e muitos engenhos.
A construção artesanal naval está diretamente relacionada à pesca, e apesar
da beleza da história das correntes migratórias, o início de nossa colonização se deu
através de muita luta e renúncia. Recebemos muita gente também de Porto Belo,
onde no início formou-se um povoado de portugueses, não de açorianos mais de
portugueses de Ericeira de Portugal. Localizado próximo ao litoral de Lisboa, esse
povoado, essa região era politicamente delimitada, como se fosse um município.
Esses portugueses imigraram para fundando em Porto Belo a intitulada: Nova
Ericeira, que não prosperou, em virtude da corrupção dos mandatários.
Esses mandatários eram como conselheiros, e desviavam as verbas que eram
destinadas aos imigrantes. Na época que Don João veio para em 1808, e depois
tamm com seu filho, a pesca não ficava totalmente com os pescadores. Eles
tinham que pagar a parte do governo, na verdade os mandatários ficavam com a
melhor parte, secavam e mandavam tudo para Portugal. Vale ressaltar, que para
poder pescar, ele tinha que ter uma carta de concessão da extensão do lugar que
pescava, então, eles sempre foram muito pobres, e esses que vieram de Portugal,
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vieram com a promessa de vida melhor, de ganhar barco, de receberem um subsídio
para poder sobreviver, se alimentar, terminar de fazer seus barcos, construir uma
moradia, e dentre tudo isso foram pouquíssimos que receberam algum tipo de ajuda,
por um tempo exíguo, o dando para sustentar, sendo que a miséria se instalou,
obrigando a maioria a voltar para Portugal.
2 - Sobre os pioneiros da Construção Artesanal Naval, a senhora pode nos
descrever alguma história marcante para a comunidade navegantina?
Havia um pescador chamado Daíca, ele possui o sobrenome Patrício, e ele
juntamente de sua família, são uma das referências no saber fazer da construção
artesanal naval de nosso município. Ele tinha uma prática com o leme, trás
daquelas embarcações de pesca como ninguém. Na cada de sessenta (60), nós
fazíamos a travessia, passagem para o município de Itajatravés de lanchinhas de
pesca, com botes de boca aberta. Num determinado período houve um problema
relacionado ao transporte normal, com as lanchinhas fechadas. Os estivadores
romperam com os donos das lanchas, fizeram uma lancha de transporte fechada
para eles, porém por algum motivo não obtinham lucro suficiente para todos, então
eles resolveram vender, ou fecharam o negócio na época e todos nós ficamos algum
tempo, mais de ano, atravessando em dias de vento e dias de chuva em
embarcações menores.
Enfrentávamos tempos difíceis, ondas altas, mas como éramos novas,
achávamos o máximo, aquele balanço, com a gente ali dançando sentadas, no meio
do barquinho no embalo das ondas. Quando os mestres, designados pela capitania
se amedrontavam para fazer a travessia em virtude das condições climáticas, eles
buscavam o senhor Daíca no pontal.
para nós era uma festa, pois sabíamos que estávamos seguras com a
condução dele, ele era uma experiência, sabia botar o barco na posição correta que
a onda vinha, então fazia aquela marola, mais que não te assustava, ele era uma
genialidade.
Ele tinha vários irmãos, um deles, eles chamavam de Gilberto, cujo apelido era
Verdinho, que possuía essa mesma categoria, de gente bia no seu fazer. Os pais
deles eu acredito que não são originários de Navegantes, mais estou falando de
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Navegantes do final de 1800, início dos anos 1900, da cidade de Navegantes, que o
meu avô e ex. prefeito Athanásio Joaquim Rodrigues nasceu em 1893. Então estas
lembranças são contadas através do filtro de meu avô, porém, depois eu tive a
oportunidade de conviver com os netos e filhos da família, Patrício.
Os pais deles viviam da pesca, eles tinham casas humildes, de chão batido na
beira da praia, ali eles tinham a redinha deles, uma tarimba (1), ou esteira (2), que
era o nome dado ao lugar, a casinha onde eles dormiam, era de uma simplicidade
incrível.
A comida normalmente naqueles anos era feita em panelas de ferro grandes,
que ficavam penduradas com corrente no caibro da casa, e o fogo embaixo. Sempre
era uma panela só, se tivesse feijão era feijão, se tivesse sorda era sorda (a gente
dizia soda, que é uma comida típica de Portugal, preparada com um monte de ovos
cozidos, tempero e água).
Então a vida de muitos na época era muito humilde e por vezes sofrida, e este
Manuel Patrício, pai do Daíca e do Verdinho um dia foi pescar. Eles costumavam
pescar em família e numa determinada pescaria, o barco deles naufragou e todos os
ocupantes vieram a falecer. A partir disso para imaginar a situação que ficaram
as viúvas, pois na época o tinha uma pensão, não existia INSS, não tinha
chegado o advento de Gelio que chegou, na metade do outro culo. Então
para elas, esse foi um período, de bastantes dificuldades, lutas e sofrimento.
Na época meu avô tinha o título de delegado, era como se fosse um inspetor,
não tinha remuneração, e ele ajudou muito dentro dessa categoria na época das
guerras. Ele e tantos outros homens que eram convocados fiscalizavam a praia,
andavam de madrugada, e nessa condição de delegado, não podia deixar as
pessoas desamparadas ou passarem fome, então eles providenciavam ajuda para
que as famílias locais pudessem comer. Através da conversa e ajuda de outros
pescadores, eles faziam trocas, escambos e todos podiam se alimentar.
A senhora Patrício, que ficou viúva, em virtude de suas perdas, com seus (40)
quarenta anos colocou um lenço na cabeça, e sempre usou roupa preta. Naquela
época as mulheres usavam a roupa até o tornozelo, e eu citei o exemplo dessa
família tradicional, mais esses desastres quando aconteciam acabavam com uma
família inteira, porque naquela época o homem era determinante para buscar o
alimento. A pesca de antigamente, não era como a pesca de hoje, que para ganhar
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a vida, você chega com o barco e tem a mercadoria vendida, revendida. A pesca
na época era para consumir, para o sustento da família, o máximo era vender
alguma coisa para comprar sal e farinha. A farinha graças as Deus nunca faltou, pois
tinham diversos engenhos e caridade dos seus donos.
No livro O Navegantes Que Eu Conto, escrito pela professora Didymea
Lazzaris de Oliveira, ela revela através de uma pesquisa que fez com o senhor
Juvenal Mafra, que veio a falecer com 102 anos, que ele conta que na orla de nossa
praia tinha mais de (30) trinta engenhos e o resto era plantação de mandioca.
Por isso tantos engenhos, porque havia como suprir, porém essa farinha não
adquiria um valor comercial ela tinha um valor alimentício, em virtude disso, na
época muitas famílias não morriam de fome, porque conseguiam uma farinha aqui,
um peixinho ali. Quem lavava o tafuli (fundo da bateira), ou lavava os apetrechos da
pesca, já levavam para casa alguns peixinhos, peixes menos valorosos, então a vida
era assim, se o homem da casa morria a fome estava decretada, e nestes casos as
famílias dependiam do auxílio de alguma autoridade, ou de alguém se interessar
para analisar se as pessoas tinham comida na mesa todos os dias.
Sabes, podemos considerar que neste período tamm a vida era mais
humanitária, todos se conheciam, se ajudavam no coletivo.
3- Qual ou quais, famílias, você classificaria como as mais antigas e
tradicionais de Navegantes nesta arte do saber fazer artesanal na construção
de barcos de madeira?
No meu conhecimento e também através das pesquisas ilustradas no livro da
dona Didymea, dentro dessas características do saber fazer artesanal que
compreende toda essa parte de construção naval, carpintaria, calafates, a família
que se tem notícia como desbravadora nesta área é a Coelho.
Pelos registros a família Coelho era detentora de muitas posses, e proprierias
de terra não em Navegantes, mais em Itajaí. O clã dos Coelhos é muito antigo e
muito grande, e que contém esses traços preservados nos dias atuais, sendo que
uma grande referência e verdadeiro patrimônio cultural de nossa cidade nesta área é
o senhor José Olavo Coelho. No jeito dele falar, típico manezinho, as coisas que ele
gosta, o jeito de trabalhar ele foi e ainda é um dos maiores carpinteiros de nossa
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região, servindo inclusive como fonte de inspiração e transmissão de conhecimento
para muitos outros mestres do saber fazer de nossa construção naval. Pelos acervos
disponibilizados a família Coelho é a mais antiga e tradicional, fabricante de
embarcações artesanais, concomitante à família Patrício.
Senhor Olavo como é conhecido, em seu saber fazer é um verdadeiro
engenheiro, seu trabalho é uma arte, um espetáculo. A mente dele, em sua
capacidade de calcular em metros bicos, em profundidade, fazendo tudo de
cabeça, no desenho do barco, ele é um artista, e seus irmãos iguais, lembrando que
o pai, tamm já era construtor, então eles carregam, esse saber fazer, passado de
geração para geração. Este ano que passou, faleceu um de seus irmãos, chamado
de César Coelho, que tamm trabalhava no estaleiro da família.
Destaco que o Olavo, além desse saber fazer artesanal, ele conhece a
história, ele é um grande trovador, juntamente com o senhor Chiquinho Patrício.
Olavo realiza a cantoria do divino onde fazem as visitas nas casas, olham para o
dono e criam os versos conforme o que está acontecendo, parabenizam por alguma
conquista, ou dá os pêsames pela família ter passado por alguma perda, ele cria na
hora, é maravilho, ele é um poeta popular, ele inclusive tem músicas de sua autoria.
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ROTEIRO DA ENTREVISTA JUNTO AOS MESTRES DO SABER FAZER
ENUNCIADO: O trabalho visa manter viva a história de Navegantes, através de
pesquisa e publicação no que tange o saber fazer dos trabalhadores navais,
especialmente os calafates, carpinteiros, pintores e eletricistas que atuam nessa
cadeia de construção ou recuperação de barcos de madeira. As perguntas abaixo
relacionadas serviram de roteiro, mas não foram apresentadas de forma fechada,
possibilitando durante a conversa a abertura para novas perguntas, ou para a livre
expressão do entrevistado.
1 quanto tempo você trabalha na construção artesanal e/ou manutenção de
barcos de madeira?
2 Como a paixão pelos barcos entrou em sua vida?
3- Dentre as profissões acima citadas, quais você desempenha, no processo de
construção artesanal naval?
4 Quem, ou quais pessoas você conhece ou conheceu que classificarias como um
grande mestre do saber fazer?
5 Que influências, possuem seus antepassados sobre você em relação as suas
habilidades artesanais?
5 Quantas pessoas você conhece que ainda atuam nessa prática?
6 Ao iniciar um novo trabalho, quais são suas fontes de inspiração?
7 Como é a rotina de trabalho nesta área, conte-me um pouco do seu dia:
8 Por que os jovens estão abandonando esta prática?
9 Quais dicas você daria para um jovem que está começando nesta prática?
10- Que tipos de madeira são utilizados na construção dos barcos, e como se a
construção do esqueleto base?
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ENTREVISTADO 02:
Nome: José Renato dos Passos:
Idade: 50 anos.
Profissão: Pescador Artesanal.
OBS: Presidente da Colônia de Pescadores de Navegantes
1 quanto tempo você trabalha na construção e/ou manutenção de barcos
de madeira?
Trabalho na pesca e na construção de barcos artesanais desde menino, eu tinha 17
anos quando iniciei. Meu pai era pescador, minha família se criou assim.
2 Como a paixão pelos barcos entrou em sua vida?
Vem de família, nasci e cresci na pesca. Meus falecidos bisavós eram pescadores.
Em nossa família somos, em três homens, e os três possuem embarcações e essa
paixão.
3- Dentre as profissões acima citadas, quais você desempenha nesse
processo de construção artesanal naval? Com quem você aprendeu?
Eu trabalho em todas as áreas (me mostra as ferramentas sobre a mesa...risos),
claro que tem coisas que a gente passa para outros que lidam especialmente com
aquilo, como por exemplo: a parte de elétrica. Há pouco tempo construí uma casaria,
mais hoje trabalho mais para a família e para alguns amigos que me pedem. Eu
aprendi com meus antepassados, vendo os outros fazerem, perguntando a eles e
colocando a mão na obra, mais meu falecido pai (Piquinha) foi quem me ensinou
tudo o que eu sei, e minha mãe, também sempre me incentivou. Ela sempre foi uma
guerreira, trabalhávamos na pesca do camarão e ela esperava no Rancho, junto
com outras conhecidas do bairro, e parentes da família que trabalhavam no local
com a limpeza e tamm no cozimento do camarão. Hoje as coisas mudaram, não
existe mais o Rancho.
4 Quem, ou quais pessoas você conhece ou conheceu que classificarias
como um grande mestre nesta arte de saber fazer?
Tem o Senhor Chiquinho da Espida, esse tem muita história para contar, o filho dele
tamm que é muito conhecido o Jocelmo, é carpinteiro naval, tem tamm o senhor
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Nino que é falecido e era muito conhecido, sabia fazer barco como poucos e o
senhor Zé Olavo Coelho.
5 Que influências, possuem seus antepassados sobre você em relação as
suas habilidades artesanais?
Tudo o que tenho e que sou é por influência dos meus pais, tenho a agradecer.
Tudo o que tenho vem da pesca, hoje sou presidente da colônia de pescadores e
toda a educação, honestidade vem dos meus pais.
6 Quantas pessoas você conhece que ainda atuam nessa prática?
Nessa parte de construção de barcos de madeiras tem o Jocelmo que te falei, mas
na pesca que podem tamm falar e trazer outras informações tem o Cacalo,
Calinho, Orlando (Lagartixa) e o Sanatô.
7 Ao iniciar um novo trabalho, quais são suas fontes de inspiração?
A em Deus, a força de vontade de comar e terminar um trabalho, saber que foi
feito do meu jeito.
8 Como é a rotina, conte-me um pouco do seu dia:
A rotina é dura, puxada, levantava às 02 da manhã, para parar às 15:00 horas.
Todos os dias, a gente só parava se o tempo não permitia.
9 Por que os jovens estão abandonando esta prática?
A pesca hoje está fraca, gera pouca renda, é mais fácil ganhar o dinheiro em terra,
receber por semana ou por mês em algum trabalho fixo para não ficar parado.
10 Quais dicas você daria para um jovem que está começando nesta prática?
Eu diria para estudar, pois quem tá na pesca não tem esse tempo. Eu graças a Deus
consegui concluir a minha série, mais a maioria dos pescadores não. Hoje para
tirar a carteira de pescador tem que ter escolaridade e antigamente não precisava.
Então eu diria para primeiro concluir os estudos, pois essa vida exige muito do corpo
e a gente chega cansado, daí não vai ter tempo ou estar preparado para estudar.
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ENTREVISTADO 03:
Nome: Marcelo Ribamar Silva:
Idade: 50 Anos
Profissão: Pescador Artesanal / Aposentado
1 quanto tempo você trabalha na construção e/ou manutenção de barcos
de madeira?
Trabalho desde novinho, eu aprendi com meus tios, com meu pai, comeceino Rio
de Janeiro e na sequência vim pra Navegantes. Então comecei a fazer os barcos
aqui com a turma.
2 Como a paixão pelos barcos entrou em sua vida?
Essa paixão veio desde novo, eu trabalhava com meu pai no estaleiro, na pesca e
fui aprendendo com o tempo. É de herança como diz o outro, passando de vô, pra
pai, pra filho.
3- Dentre as profissões acima citadas, quais você desempenha nesse
processo de construção artesanal naval? Com quem você aprendeu?
Das profissões a que eu mais me identificava era com a carpintaria, sou eletricista
formado, mas o que eu desempenho mesmo é a carpintaria.
4 Quem, ou quais pessoas você conhece ou conheceu que classificarias
como um grande mestre nesta arte de saber fazer?
Tem bastante gente boa em Navegantes com talento nessa área, é até difícil para
citar nomes assim, mas o que eu me espelhava era o Jocelmo, ele tamm
começou desde novo e a paixão dele é essa.
5 Que influências, possuem seus antepassados sobre você em relação as
suas habilidades artesanais?
Recebi a influência de meus pais, meus avós, eles trabalhavam com Jangada na
época lá no norte, eles são naturais de São Luiz do Maranhão, aquela jangada de
lagosta. Agora meu pai mora atualmente no Rio de Janeiro, ele praticamente se
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criou no Rio de Janeiro, ele veio da Tutóia * e ficou ali no Rio de Janeiro, mas hoje
ele já não trabalha mais nessa área, está aposentado.
* Tutóia é um município brasileiro do estado do Maranhão.
6 Quantas pessoas você conhece que ainda atuam nessa prática?
O único que eu conheço, assim de sangue que continua atuando nessa área é o
Jocelmo. Tem tamm bastante estaleiros aqui, mais que eu conheço que trabalha
de forma artesanal tem o Jocelmo e um outro senhor que eu o conheço, mais
que mora próximo a firma de peixe que vai em direção ao ferry boat, ele tem um
estaleiro. Ali ele tamm trabalha de forma artesanal mesmo.
7 Ao iniciar um novo trabalho, quais são suas fontes de inspiração?
Eu me inspiro em minha capacidade, no meu saber fazer.
8 Como é a rotina, conte-me um pouco do seu dia:
Hoje em dia a rotina é judiada, o preço das coisas subiu muito, mais antigamente era
bom. A matéria prima está muito cara e ninguém quer fazer mais nada. Eu não
trabalho mais por que não posso, estou aposentado, não tenho condições de saúde,
me dói tudo.
9 Por que os jovens estão abandonando esta prática?
É por causa disso né, hoje em dia não tem mais comprador, não tem mais pesca
suficiente tamm, não tem mais nada, hoje você vai fazer uma bateira, ou um
botezinho, você vai gastar um dinheio para ter muito pouco retorno, se torna um
capital jogado fora, como diz o outro, ninguém tem mais dinheiro para fazer essas
coisas.
10 Quais dicas você daria para um jovem que está começando nesta prática?
A dica que eu daria é para trabalhar para grandes estaleiros, pegar grandes
embarcações para dar dinheiro, pois a carpintaria naval artesanal está muito
desvalorizada, não tem mais mercado para isso.
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ENTREVISTADO 03:
Nome: Jocelmo Patrício
Idade: 56 anos
Profissão: Carpinteiro Naval / Estivador
1 quanto tempo você trabalha na construção e/ou manutenção de barcos
de madeira?
Eu trabalho desde os 17 anos com isso, comecei novinho trabalhando no estaleiro
do Sr. Nino (Estaleiro Leal), que hoje é falecido, e eu dou graças a Deus pois o
que eu aprendi eu aprendi com ele, era um grande carpinteiro. Trabalhei dos 17 até
os meus 20 anos, nesta área, depois fui trabalhar no porto com meu pai que é
estivador, hoje sou estivador também. Eu gosto dessa profissão (carpintaria), gosto
de fazer o que estou fazendo, eu faço com carinho. Talvez por isso que o pessoal
fala que o meu serviço é bem feito, por que é feito com carinho, faço o serviço, eu
faço o que tem para fazer. Eu estou esse tempo trabalhando, levei um acidente no
navio, a bordo do navio e tive que ficar 10 anos encostado, e nesse período eu fiquei
trabalhando dessa forma, estou nessa área até hoje.
2 Como a paixão pelos barcos entrou em sua vida?
Desde pequeno meu tio, irmão do meu pai começou a fazer, essas bateiras
pequenininhas, de remo. Ele se chamava Daíca Odair Francisco Patrício. Meu pai
fazia tamm, e eu ficava ali ajudando. Meu pai se chama Francisco Manuel
Patrício, ele é nativo daqui, conhecido como Chiquinho, tem 84 anos, nasceu e
cresceu na mesma rua e casa que está até hoje, mesmo terreno e meu tio tamm
fazia, e eu gostava. Tinha um amigo meu Luizinho, filho do Sr. Nino, inclusive ele e o
irmão dele o Jorge, tamm são dois baitas carpinteiros, dois trabalhadores, o
serviço deles é de primeira e eu também aprendi muito com eles, porque quando eu
entrei eu entrei de ajudante e eles sabiam muitas coisas. Então eu aprendi com
eles tamm, e da mesma forma eles aprendem alguma comigo aqui, porque, como
vou te dizer, é uma troca de experiência. Então com 17 anos eu ia lá, no estaleiro
com eles, e ficava olhando o Sr. Nino e o pessoal de lá trabalhar, o barco ia
surgindo, ia aparecendo, botando um pau cá, outro lá, e o esqueleto ia se formando,
eu achava interessante isso ali, e ele (Sr. Nino) me convidou para trabalhar, eu
lembro que na época eu nem sabia pegar no martelo mais, eu fui indo e rapidinho fui
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aprendendo. Coisa de um ano eu estava trabalhando de carpinteiro, fazendo
acontecer. Eu prestava bastante atenção, eu tinha vontade de aprender, eu achava
e acho um serviço, sabe serviço artesanal, pois não é um serviço tipo de fazer um
navio, que é uma forma, já tem um projeto e a pessoa vai seguir aquele projeto,
aquele modelo, aqui não, aqui a gente está criando, fazendo mais largo, fazendo
para pegar tantas toneladas, cada um que cai na água a gente melhora o outro
entendeu? Eu avalio, por exemplo: aquele eu posso melhorar em tal coisa, é um
processo artístico, e a gente vai melhorando cada um que cai na água.
3- Dentre as profissões acima citadas, quais você desempenha nesse
processo de construção artesanal naval? Com quem você aprendeu?
Na verdade, aqui eu faço tudo, quando pego um barquinho pra fazer, eu pego um
compromisso como, por exemplo: esse aqui, e ali está o dono, eu começo e vou até
o fim, armo ele, prego, lixo, calafeto, maço, alinho o motor e faço a parte de motor, aí
o restante é o dono que pinta do tipo dele. A parte elétrica não, alguma coisa até a
gente faz, quando é um bote simples, botinho de boca aberta assim até é a gente
que faz, mas quando é algo mais sofisticado, um barco maior, que vai quadro,
não, nessa parte nem mecho, pode ser até que a gente faça, mais o quero me
intrometer, prefiro passar adiante.
4 Quem, ou quais pessoas você conhece ou conheceu que classificarias
como um grande mestre nesta arte de saber fazer?
Pra mim, como eu te disse meu grande mestre é o Sr. Nino mas que é falecido,
mais nós temos vários carpinteiros hoje como o senhor Olavo Coelho, temos
outros que me falha o nome na memória, mais que são uns carpinteiros renomados,
caras bons, esse pessoal do estaleiro do Olavo, tem o pessoal do Estaleiro
Macarini, tem muita gente boa trabalhando ainda, mas sabe que são os caras mais
velhos, os mais novos não estão querendo porque a profissão está muito
desvalorizada hoje, principalmente desse artesanal pequeno, o barco grande,
industrial no caso a gente o sabe como está, porque não está acompanhando o
serviço deles, mas o nosso artesanal aqui, pequeno está muito desvalorizado. E não
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tem nem como cobrar muito também sabe? daí vai sair muito alto o preço, porque o
material, hoje a matéria prima é muito cara.
5 - O poder público ajuda com alguma coisa, vocês possuem algum tipo de
subsídio para auxiliar seja através do município do estado ou do governo
federal?
A gente não tem nada com eles não, nenhum tipo de apoio do governo, até inclusive
ontem a gente teve uma reunião com a prefeitura, onde estão querendo fazer uma
melhoria aqui no porto, mas voltada para os pescadores, não pra gente dessa parte
das construções. Então eu desconheço se tem algum subsídio, pode ser que tenha
alguma coisa para os estaleiros maiores, como diminuição de impostos, mais eu
desconheço, acredito que não tamm, que esteja igual para todo mundo.
6 - Vocês chegaram a colocar na pauta dessa discussão o apoio para
impulsionamento da construção artesanal naval?
Não chegamos a levantar essa pauta na reunião com eles, é que veio uma verba
específica para fazer uma melhoria, e essa verba é destinada para aquilo ali, e ele
(secretário) ainda falou que querem fazer projetos mais pra frente, é uma nova
gestão que pegou agora, são novos, fiquei empolgado com eles, com o secretário
que estava na reunião, porque ele falou que vai vir mais melhoria para o pescador
artesanal e porque até hoje nós não tivemos nenhum prefeito que pensou nesse
lado para s, que pensou em nós até hoje. Então ele falou que irão investir e que
vão melhorar os ranchos, que querem fazer essas melhorias para nós.
7 - Se pararmos para pensar, no bairro, na pesca e na construção artesanal
podemos pensar em um grande berço cultural e de empreendimento turístico:
Eu comecei a trabalhar na frente de minha casa, moro ali na Presidente Nereu
Ramos, próximo à pousada do Sabiá, trabalhava em um terreno grande que tinha ali
em frente, e eu fazia os barcos e o que parava de gente de fora, para bater fotos,
para simplesmente olhar de uma maneira livre, e eles achavam bacana, as
professoras do jardim que tem ali perto vinham com as crianças, ali a gente parava o
serviço para as crianças olharem, elas subiam no barco, a gente mostrava, elas
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tocavam e aquilo era um prazer pra gente, porque é uma coisa que eu não sei se
eles na minha idade vão ver de novo. Não sei se vai ter mais alguém que continue
nessa profissão. Por que hoje pelo o que eu estou vendo não tem mais quase
ninguém que continue fazendo esses barcos, tem eu que continuo fazendo algumas
coisas, tem meus primos que moram aqui perto: o Cezinha e o Deivid que fazem no
estaleiro deles e que tamm estão querendo parar, porque é muito trabalho e
pouco retorno. Antes por exemplo um servente de pedreiro era muitas vezes taxado,
era desvalorizado e o carpinteiro quando eu entrei era uma profissão boa, bem
falada, bem vista, você escutava alguém dizendo ou eu dizia Sou Carpinteiro Naval
era uma coisa importante e hoje o carpinteiro naval é menos reconhecido que o
pedreiro, ganhando menos, o desmerecendo o serviço do pedreiro, mais
querendo dizer que a nossa profissão se desvalorizou. O pedreiro hoje, o bom
pedreiro ele tem seu serviço reconhecido graças a Deus, porque a gente sabe como
é árduo o trabalho deles, nós não vamos desmerecer porque eles pegam de sol a
sol e o nosso serviço de carpinteiro foi ficando para trás, penso que vai chegar um
dia que a carpintaria vai se extinguir. Muito por conta dessa tecnologia que está aí,
na verdade a gente tem que se modernizar tamm, da tecnologia da matéria prima
para fazer as construções.
8 - Que influências, possuem seus antepassados sobre você em relação as
suas habilidades artesanais?
Meu pai toda vida me apoiou, ele não queria me ver parado dentro de casa de jeito
nenhum, ele queria que eu tivesse uma ocupação, até nas férias ele queria que eu
achasse um serviço, e eu tenho muito, o que agradecer a ele por isso, minha mãe
tamm sempre me apoiava no serviço, não apoiava fazer coisas erradas e acho
que isso nenhum pai apoia, mas de aprender e de trabalho eles sempre me
apoiaram bastante. Muita coisa que aprendi com meu pai tamm é que ele ia
fazendo e eu aprendendo, lembro, que uma vez eu era pequeno e ele fez um barco
desse todinho no serrote, sem serra sem nada, dentro do cercado de casa, ele ia
fazendo e eu ajudando, pegava uma coisa aqui outra ali que ele me pedia, e isso ia
influenciando, a gente queria saber fazer tamm, o pai fez um, eu também vou
querer fazer entendeu? querendo sempre aprender e melhorar. Graças a Deus eu
peguei e fiz, deu certo, continuei a fazer e hoje tem gente que vem de longe e me
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procura pra fazer, mas inclusive eu estou parando, vou fazer esse daqui, fazer mais
um para um amigo, outro pra mim e pro meu pai pescar e depois acho que vou
parar, porque a matéria prima é muito cara.
9 - Durante entrevista com a senhora Vilma Mafra ela me contou uma história
sobre tua família, sobre teus avós, que também eram pescadores e sofreram
um naufrágio, podes me contar?
Meu avô era pescador, inclusive ele morreu no mar, morreu ele e dois tios meus
num dia só, eles naufragaram aqui na barra, inclusive meu avô até hoje não foi
encontrado, os outros dois foram. Até tem uma história que o pessoal, comenta e,
isso vem de sempre, que um pai veio trazer os dois filhos, e acharam os três
corpos no mar, daí pegaram um, pegaram o outro e quando foram pegar o terceiro
que seria do meu avô ele sumiu, não conseguiram resgatar. Assim é contada a
história, que um pai veio trazer os dois filhos e “me arrepiei agora”, pra ver como não
é mentira, foi forte agora. Eu não cheguei a conhecer meu avô, ele morreu quando
meu pai ainda era pequeno, e ele foi obrigado a cair na pesca para ajudar minha
avó, que é muito querida e quantas histórias, eu me segurava na saia dela, para não
deixar a mãe me bater quando eu aprontava “risos”, mas era tudo para o nosso bem.
Minha família toda é de pescador, hoje é claro os mais novos tem outras funções,
tiveram estudo, puderam melhorar de vida, mais tem muito pescador ainda, e graças
a Deus estão todos aqui, estão vivendo.
10 Como é a rotina, conte-me um pouco do seu dia:
É um serviço árduo, no sol quente, é complicado, estou com problema de pulmão de
tanto respirar madeira. Às vezes, me perguntam por que eu não boto a máscara,
para trabalhar no barco, mas como é que tu vai andar de máscara, subindo e
descendo de um bote como esse, embaixo do sol quente o dia todo, tu não
consegue. É uma rotina árdua, pesada, tu sobes, desce, vai buscar material, serra,
coloca a madeira, não é um serviço leve não, é um serviço que tu movimenta toda a
parte do corpo, porque é serrote, é martelo, é perna para subir, você se movimenta
todo, mas é bom para saúde. Eu não reclamo do trabalho, eu reclamo de trabalhar
no tempo, o tempo é que maltrata. Você está aqui no sol, suado, sai para beber uma
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água gelada, que tem geladeira ali, dá até dor na garganta. A gente também levanta
bem cedo, para aproveitar o dia, porque o serviço é meu, quanto mais cedo eu
acabar é melhor.
11 Por que os jovens estão abandonando esta prática?
Olha hoje essa tecnologia, vou dizer pra ti, digo pelos meus filhos pequeninhos
em casa, é só celular, vídeo game, face, joguinho na televisão, o vídeo game eles já
nem querem mais, é ultrapassado. Para os jovens virem aqui no sol para ganhar, de
um serviço que não vai ser muito remunerado, para ganhar só isso eles não querem.
Vem mesmo trabalhar quem precisa, e que o está encontrando serviço, daí vai
fazer, senão não vem, ele vai procurar outra opção.
12 Quais dicas você daria para um jovem que está começando nesta prática?
Se ele realmente estiver interessado em investir eu diria para ele pegar mesmo,
mais ele pra ser patrão dele, pois eu não reclamo porque sou meu próprio patrão,
agora se eu vou pagar um empregado eu já não consigo pagar muito para ele, não
tem como pagar, porque eu não estou ganhando para isso, agora se ele é o patrão
ele arruma alguém tamm para ensinar e ir fazendo aos poucos. que hoje com
o preço que está a matéria prima, está ruim de pegar serviço nesta área, quase
ninguém quer fazer mais. As pessoas querem comprar pronto, usado, às vezes
fazer a reforma, porque sai muito caro para você fazer um novo. Hoje esse bote que
eu tenho aqui, pelo preço que foi feito só o casco ele compra um usado com motor e
tudo. Hoje né, por causa tamm da pandemia que atrasou todo mundo e tem muita
gente com a corda no pescoço, mais não quer dizer que vai ser sempre assim não,
porque o barco sempre valorizou e esse ano desvalorizou bastante o preço das
embarcações, provavelmente porque as pessoas não tinham para onde correr e
quem quer vender é quem tem dívida, mais eu aconselhava o jovem a aprender,
pelo menos aqui tu não vai perder, é que nem tu ir numa loja comprar um carro,
quando tu tira da loja tu perdeu, ele desvaloriza, e esse aqui não, no outro ano
ele vai valorizando, mesmo sendo usado ele vai valorizando a embarcação não
perde valor. Esse ano, por causa dessa pandemia o preço derrubou, tipo a bolsa
quando cai, derrubou mesmo o preço, uma que não deu camarão, não deu muito
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pescado, deu pouco, o pescado que tinha não tinha para quem vender, porque como
fechou tudo, sabe veio de cima para baixo, veio fechando lá e arrebentando aqui em
baixo. Não tinha pra quem vender, é uma engrenagem, o pouco que tinha era
vendido bem abaixo do valor, o óleo diesel foi em cima e não está nem
compensando sair para pescar, o preço do camarão está o mesmo cinco anos, e
cinco anos tu compravas o diesel a um real, hoje está quatro reais então, não
compensa porque o camarão não aumentou, a tabela é a mesma, está no mesmo
preço. Tu compravas um quilo de picanha ela se equivalia a um quilo de camarão
descascado, hoje tu não compras um quilo de picanha a vinte e cinco reais, o
camarão está sendo vendido a vinte cinco, vendido pelo pescador, não no mercado,
então se você for ao mercador com vinte e cinco reais tu vais trazer umas cem
gramas de picanha.
13 - Que tipos de madeira são utilizados na construção dos barcos, e como se
dá a construção do esqueleto base?
A madeira vai se torcendo, uma, tem que pegar o compasso, tem que preparar a
tábua direitinho pois, não é qualquer tábua que vai, ela tem que ser certinho
conforme pede ao o que você vai encostar nela, ela vai, tu que tem até que
colocar fogo nela para que ela vá se arcando, é todo um processo, vai botando fogo,
vai apertando até ela encostar, não pode chegar e apertar tudo de uma vez senão
ela vai estourar, é tudo um processo, tem que trabalhar com ela, e saber a madeira
que você está utilizando, pois cada madeira tem um perfil diferente entendeu? uma é
mais seca, uma estrala mais, a outra não e conforme a gente vai fazendo a gente vai
vendo a madeira, opa segura, mais uma apertadinha, molha ela com óleo, toca
um fogo, e assim vai indo. O processo de armação é assim, a gente arma, pega a
quilha (3), a proa, vai botando, divide ao meio, marca o comprimento conforme a
pessoa quer, e vai fazendo assim, é uma coisa meio ruim de explicar sabe.
1
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“A quilha é em náutica uma peça forte - na origem em madeira - da embarcação que se estende da proa à popa, na parte
inferior da nave, e se fixam as peças curvas onde se pregam as tábuas do costado. Termina na proa pela roda da proa e na
popa pelo cadaste. É uma verdadeira espinha dorsal da embarcação”. Wikipédia
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A madeira que a gente mais utiliza hoje é a do norte, pois a madeira nativa nossa é
proibido cortar. Antigamente eu aprendi com a madeira nativa nossa que é a canela,
o ipê, ipê roxo, peroba, cedro, tem várias, o ariribá tem várias madeiras boas nossa,
boas mesmo, mais agora a nossa madeira o forte é tudo do norte, pois aqui tu não
pode mais tirar madeira. E eu concordo em parte com isso, porque tem que ter um
freio nisso aí. Se for para tirar madeira para fazer o manuseio e construir uma
embarcação, uma casa tudo bem, ou agora como estão fazendo e a gente viu,
que é desmatar um mato todo para plantar eucalipto e pinheiro que não são plantas
nativas daqui. Dessa forma tirando a nativa e botando uma que nem é nossa,
sendo, que o eucalipto seca tudo quanto é nascente, que a gente sabe, e o pinheiro
o que planta a terra em baixo fica ácida, nada nasce de baixo. A gente sabe que isso
acontece, a gente viu no oeste catarinense, terra sendo desmatada e as árvores
nativas sendo empurradas para o barranco, tampando as nascentes para depois ser
plantados o eucalipto e pinheiro, aí a nascente já era, de vonão poder mais tomar
daquela água pura, era uma riqueza, e aquilo foi perdido, não tendo valor que
pague. Até a fauna, tinha muita fruta, a baguinha da canela que muito passarinho
come, a gabiroba, a tripa de galinha que a gente fala que muitos passarinhos
comem, tem várias frutas assim do mato, nativas e que aquilo ali se perdeu para
plantar eucalipto e pinheiro. não da de entender o governo, o sei, se torna
complicado. O fato agora da madeira, estar vindo do norte encarece muito. Aqui às
vezes a gente até consegue alguma coisa de uma madeira morta que está caída
muito tempo, daté a gente consegue a liberação para trazer, mas mesmo
assim até essa burocracia toda te liberar vai sair caro para ti, então não compensa.
Sabes, tem madeira no mato que se fosse fazer o manejo, mas o ser humano, se
você der a mão ele quer o braço inteiro, se fosse fazer o manejo tem árvores que
estão secas, que já estão maduras. Se tu fores entrar, dentro de uma mata fechada,
você vai ver que em baixo tem muitas árvores e é limpo. E por que em baixo dessas
árvores é limpo? Porque a copa fechou, e se você tirar essa árvore, que está
morta abre o espaço e toda a semente que caiu dela ou de outra vai ter espaço para
crescer, e rapidinho temos uma planta nova, pois até aquela ali cair e dar vaga para
outra semente vai demorar um pouco, então é um processo de transformação, mais
isso dentro de um processo de manejo consciente.
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ENTREVISTADO 04:
Nome: Francisco Manuel Patrício:
Idade: 82 anos
Profissão: Pescador /Estivador / Carpinteiro Naval/ Mestre da Cultura Popular
1 quanto tempo você trabalha na construção artesanal e/ou manutenção
de barcos de madeira?
Eu fiz três barcos aqui no terreno em frente, aqui era um caminho de terra que
passava, e ali em frente tinha um jardim de infância, isso faz mais de 40 anos,
ainda hoje passa alguns daquela época e me dizem: O seu Chico eu atentei
bastante o senhor (risos), naquele tempo as crianças saiam do jardim e vinham
ali comigo, subiam nas embarcações, o barco todo recém tinha sido pintado, eles se
sujavam de tinta, saiam todos pintados, era divertido (risos). Mais eu mesmo
construí três embarcações, e o meu filho assumiu a profissão, mais vou te contar,
não é profissão pra ninguém, se você tiver um filho não deixa ele pegar no martelo
pelo amor de Deus, você nunca vai ver um carpinteiro ou um pedreiro rico, você vai
ver aquele que contrata a obra, que compra o barco, entendo, aquele que está
trabalhando não ganha nada, e depois quando você chega com 70 anos, você não
vai mais conseguir subir em cima do barco, não vai mais ser homem para esse
trabalho. Entendesse como é? se ele tiver preparado para vida tudo bem, se
depender da aposentadoria nesta área o salário não dá nem para o remédio.
2 Como a paixão pelos barcos entrou em sua vida?
Em relação ao meu pai, que se chamava Manuel Francisco Patrício eu não lembro
se ele construía barcos, acho que ele comprava feito. Eu lembro que quando ele
me levou junto com ele uma vez, era uma bateirinha, dessas pequeninhas a vela e a
remo, pois naquele tempo não havia motor, inclusive esta última que ele comprou foi
a que ele veio a falecer.
3 Quem, ou quais pessoas você conhece ou conheceu que classificarias
como um grande mestre do saber fazer?
Conheci muitos, mais eu tenho um amigo, um amigão que até hoje ainda tem
estaleiro, ele é muito bom, se chama Zé é oCoelho, depois tem o Sr. Nino que já
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é falecido, os filhos deles continuam com a profissão, inclusive o meu filho quando
estava com 16 anos, ele não queria mais estudar e foi trabalhar com ele (Sr. Nino), e
eu já tinha duas profissões, eu trabalhava na estiva e com a pesca, porque a estiva
não trabalha todo o dia. Quando entra um navio eles chamam os estivadores pra
trabalhar, vofica trabalhando uns, dois, três dias, completou a carga o navio sai,
entrou outro navio eles chamam outra vez.
4 Quantas pessoas você conhece que ainda atuam nessa prática?
A maioria do meu tempo faleceu, mas tem o Coelho ainda hoje, meu filho que
assumiu a profissão, e o pessoal que trabalha nos estaleiros, tem um monte de
estaleiro ainda aí.
5 Ao iniciar um novo trabalho, quais são suas fontes de inspiração?
O que motivava era fazer uma embarcação diferente, mais firme, mais larga, com o
fundo em “v”, pois antigamente as embarcações eram todas com o fundo chato, ai a
gente começou a fazer essas embarcações de caverna, e isso motivava, fazer ela
diferente, era um desafio, e tem outra coisa, antigamente a gente fazia tudo no
serrote, não tinha todos esses materiais ai que se tem hoje, era plaina de mão,
serrote, prego, martelo, era tudo na mão.
6 Como é a rotina de trabalho nesta área, conte-me um pouco do seu dia:
É uma vida dura, pesada, a estiva, por exemplo: não era trabalho para homem era
para macho. Homens tem um monte, tem de vários tipos, tem o ladrão, tem o
vagabundo, entendesse? e para fazer esse trabalho o homem tem que ser macho,
pois se ele não der conta, se ele correr ele vai deixar a família passar necessidade
em casa entendesse?
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7 Que influências, possuem seus antepassados sobre você em relação as
suas habilidades artesanais?
Eu sempre gostei da pesca, coisa de família, quando eu era bem pequeninho,
quando tive 16 anos, eu tinha uma irmã na fábrica na tecelagem sabe, o nome dela
é Dulcinéia, e ela me chamou para trabalhar junto com ela, eu fiquei lá um mês, eu
trabalhei em um monte de outras coisas, minha mãe não queria que eu saísse de lá,
mais se eu fico eu ia me aposentar com salário pequeno, e quem se aposenta na
pesca também não nem de comprar o remédio, o precisa nem constituir
família, se tiver ele e a mulher ele não conta do recado de jeito nenhum, mais
minha vida sempre foi na pesca.
8 - Na sua época existia algum tipo de auxílio, subsídio por parte dos
governantes?
A gente nunca teve incentivo nenhum do governo, prefeitura, a gente nunca recebeu
esse defeso do camarão que tem aí. Naquela época era difícil e hoje continua, o
tem incentivo, eu nunca peguei o defeso do camarão, eu tenho carteira de estivador
e de pescador, mais o meu negócio era a pesca, porque é de família e nunca
arriei, fui arriar agora com os 80 anos, daí o trabalhei mais, mandei o filho até
vender o bote, ele faz baleira, então na estiva você trabalha mais vale quanto pesa.
Você sai de lá todo quebrado, porque é pesado, agora hoje em dia trabalha
mulher e a máquina, os aparelhos engatam sozinhos fora, chega dentro,
destrava lá em cima, só fica um estivador lá para organizar os containers, não deixar
cair nem para nem para lá, tudo feito pela máquina, e antigamente era tudo na
mão, tudo sacaria pesada e não parava o serviço.
9 Por que os jovens estão abandonando esta prática?
Hoje em dia a maioria não se interessa mais, acabou com essas coisas, eles se
interessam com essas outras coisas que estão aí, de computador, celular, essas
coisas.
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10 Quais dicas você daria para um jovem que está começando nesta prática?
Meu conselho é não entra nessa, porque agora ainda está mais ou menos, mas
daqui, uns dez anos você não vai tirar mais madeira do mato de lugar nenhum,
porque não tem, aí vai fazer o barco de que? já vai pegar uma pessoa especializada
para trabalhar com fibra, entendesse como é que é? Então tem que ser outra
cabeça. Já não vai mais se usar martelo, prego, não usa nada.
11 - Que tipos de madeira são utilizados na construção dos barcos, e como se
dá a construção do esqueleto base?
São várias as madeiras que pode se utilizar para fazer um barco sabe? mais hoje
não tem mais madeira, também não se deixa mais cortar, tem que ter licença, tudo
isso aí, e que não é para deixar cortar mesmo ? Você pensou, eu vejo aqui na
televisão, que eu vejo jornal sabe? um pau dessa altura, demora uns cem anos
para chegar naquela altura dela, e com uma motosserra daquelas, em cinco minutos
a árvore está no chão, e no lugar eles fazem pastagem, outras plantações, olha
aquilo ali me corta o coração, uma árvore que demorou tanto para crescer.
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ENTREVISTADO 05:
Nome: José Olavo Coelho
Idade: 76 anos
Profissão: Carpinteiro da Ribeira/ Mestre da Cultura Popular
1 quanto tempo você trabalha na construção artesanal e/ou manutenção
de barcos de madeira?
Estou neste ramo há 57 anos, eu entrei com 19 anos, comecei trabalhando com meu
tio Joca Coelho, que é outro que dispensa qualquer tipo de comentário, falar em
Joca Coelho, João Honorato Coelho, sobre a carpintaria naval, era falar de um gênio
tamm na carpintaria, eu aprendi com ele, aprendi tamm com meu pai e com
meu tio Vicente da família Coelho. Na verdade, hoje se fala em carpinteiro naval,
mas não é carpinteiro naval, o correto é carpinteiro da ribeira. Carpinteiro naval, são
aqueles, trabalham em alto mar, nós somos carpinteiro da ribeira. Esse termo
carpinteiro naval foi colocado nos anos de 1965, 1970 para cá, mas o certo é o
carpinteiro da ribeira. A carpintaria da ribeira começou na nossa região nos anos de
1920, a 1930 e teve origem com a família do Senhor Dário Silva, que hoje, tem
um neto nessa função, que se chama: Felipe, que está com, 76 anos como eu, hoje
temos, nós dois, daquela época atuando nos dias atuais, que começou a
construção naval diretamente nos anos de 1960, os demais vieram depois. Felipe é
de Itajaí, e é outro gênio da construção naval. A gente começou com a construção
naval, e o termo por que é marítimo, mas o carpinteiro é da ribeira, pois você pode
ver que todos os carpinteiros que fazem construção é na beira do rio, então ribeira.
Existe o carpinteiro naval que é quem trabalha em alto mar, em grandes
embarcações e o que eles fazem: eles estão trabalhando e arrumando uma porta,
uma fechadura, tem uma carta específica (registro), para ser carpinteiro naval,
inclusive eu tenho essa carta, que nunca usei, caducou, nunca precisei dela,
pois, comecei a trabalhar como carpinteiro da ribeira como costumo dizer, e eu não
precisei dessa carta. Eu tenho esse documento tirado com 19 anos, fiz o exame na
capitania porque na época eu tinha intenção de embarcar, mas comecei a trabalhar
aqui, gostei da coisa, e estou até hoje.
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2 Como a paixão pelos barcos entrou em sua vida?
Olha, eu quando era pequeno que eu ia para a praia, ou que eu pegava um caderno
na escola, a primeira coisa que eu fazia, ou desenhava, era um barquinho, sem
saber que um dia eu ia trabalhar com isso. Daí no dia em que eu comecei, que eu
tive a oportunidade eu me agarrei com meu tio Joca, onde fui trabalhar em um
estaleirinho, depois fui para o estaleiro do espanhol que me convidaram para
trabalhar ali, e eu com um ano e oito meses trabalhando de empregado com eles, já
comecei a terceirizar, trabalhando por empreitada, e com vinte e nove anos comprei
este estaleiro aqui, então vim preparado, ou nasci preparado para a coisa mesmo, a
genética já veio preparada para cuidar disso. eu me dediquei, e fui ficando, mas
jamais imaginei, senão eu tinha feito um diário, registrado isso, desde o primeiro
barco que eu fiz, porque que hoje eu não sei quantos barcos eu já fiz. Eu sei, e isso
eu garanto, porque segundo o Sr. Nino (Orlando Ferreira), que realizou pesquisas,
segundo ele, eu seria o homem que mais construiu barcos de madeira no mundo. Se
a gente olhar por esse lado, eu até concordo, porque quem é que trabalha cinquenta
e sete anos numa única profissão, construindo uma média de cinco barcos por ano.
Antigamente com sessenta anos, era ancião, não tinha condição de mais nada, e
depois quem trabalha de empregado com trinta anos se aposentam, e eu tive a
oportunidade de dar essa continuidade, e com setenta e seis anos eu chego aqui às
07:20 e saio às 17:30 horas, trabalhando como qualquer um. Então se eu olhar por
esse sentido, eu até admito que esse diagnóstico dele seja verdadeiro. Ele disse
para mim Olha Olavo, tu fosses à pessoa que mais construiu barcos de madeira no
mundo, porque não tem ninguém hoje com cinquenta e sete anos de trabalho que
constrói na escala que vo constrói, que mantém o ritmo de construção de barco
que você faz por ano. O senhor: Nino é o dono da antiga FEMEPE, empresa de
pescados, que hoje se chama CAMIL. A cinquenta e sete anos atrás, o primeiro
barco que eu construí foi para ele. Fui trabalhar no espanhol (estaleiro) e o
primeiro barco que eu fiz foi para ele, então ele vem acompanhando minha trajetória,
eu era um moleque de dezenove anos, toda a vida a gente se deu muito bem,
inclusive quando eu fui vereador por oito anos, nós damos o título de cidadão
honorário para ele, porque ele o era de Navegantes, então ele sempre me
acompanhou a minha trajetória e eu acompanhei a dele. Hoje ele está com noventa
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anos, mas está lúcido, dirigindo ainda por aí e tudo. Porém não se tem registro disso
tudo e eu tamm não me apego. Tenho rias placas, algumas homenagens, mas
a que mais me engrandece é COMENDA ATHANÁSIO RODRIGUES. Hoje em
Navegantes, são cerca de nove pessoas que tem essa comenda. Eu tenho, a Vilma
Mafra tem, o Chiquinho tem, e essa comenda que é sobre a cultura e é a que me
deixa mais orgulhoso. Talvez ela tenha sido indicada pela própria Vilma Mafra, pela
comissão, a Didymea que era professora. A mãe da Vilma, Dona Nazir, que foi
minha professora era outro gênio.
3- Dentre as profises acima citadas, quais você desempenha, no processo
de construção artesanal naval?
Eu modéstia parte me especializei em tudo. Eu começo e se você chegar perto de
mim, e me dizer assim: eu quero um barco de tal modo, de tal x, preciso disso e
daquilo, eu vou recomendar para o cliente, qual o tamanho do barco que ele precisa,
a largura do barco que se chama boca, vou ter que ver a altura do barco que se
chama de pontal, você tira o comprimento do barco. Você também procura saber
do motor que vai nesse barco, para poder orientar o cliente. Hoje não, mas
antigamente, na época eles chegavam perdidos, pessoal de Curitiba e daqui da
região o sabiam nada, daí chegavam perto de mim, do Felipe, hoje temos nós
dois, pois os demais morreram, mas tinha tamm o Senhor Hidelbrando, o
senhor Jorge, o Arizon, os três espanhóis, o Abílio morreu, não sobrou nenhum da
nossa época, mas nós fomos orientados e aprendemos tudo com eles. o cliente
chega perto de mim, eu pego essa ideia, faço uma maquete, e vou riscar ele, vou
traçar no risco o tamanho do barco que eu quero e o tamanho que for preciso, até
hoje eu tenho construído na verdade de madeira, barcos de até 35 metros, que é o
recomendado, você pode fazer até de 40 metros conforme estrutura entende, mas a
nossa faixa de construção é na média de barcos de 20 metros, depois se vai de
barcos de 14 até 30 metros, mas hoje a nossa média de construção naval é de 20
metros. Nós temos embarcações em tudo o que é lado, somos bastante conhecidos,
aonde tem porto, tem embarcações feitas por nós. São 57 anos fazendo barcos, nós
temos embarcação até na África, barco nosso que foi para lá, ele se chamava Cristo
Rei. O pessoal de Navegantes e região também ainda pede bastante barco, nós
estamos fazendo aqui agora dois (2) barcos para Navegantes, um (1) para Penha,
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um (1) para Porto Belo, um barco de Navegantes é meu mesmo, é um bote esportivo
que eu estou fazendo para nós brincarmos na pesca da tainha, e tem mais algumas
ali que estamos fazendo. Para Navegantes sempre tem alguém que pede, e a gente
está fazendo tamm sempre para Porto Belo, Rio de Janeiro, Santos, Paranaguá,
em tudo que é lado que tem porto pesqueiro tem embarcações nossa.
4 Quem, ou quais pessoas você conhece ou conheceu que classificarias
como um grande mestre do saber fazer?
O mestre dos mestres, se chamava João Honorato Coelho o tio Joca. Esse era o
mestre dos mestres. Esse era “o cobra” porque, na época que ele começou, eu
quando comecei, ele estava no fim da vida, quando ele passou o conhecimento
dele para mim, a construção era artesanal, hoje parou do artesanal, hoje temos tudo
quanto é máquina. Então passou, não é mais artesanal. Artesanal era quando suas
mãos faziam, hoje as suas mão fazem, mas é a ponto de máquina, vocês tem tudo
quanto é tipo de broca, na época você fazia uma broquinha de prego, você tinha
uma pua, você tinha um trado, hoje acabou tudo, antes você tinha um rebote de
mão, hoje você tem a maquita elétrica, antes você tinha um serrote, hoje você tem
uma serra circular, antes você tinha um serrotinho para fazer os detalhes, hoje você
tem o que se chama de tico-tico, então acabou o artesanal e eles não, eles são do
artesanal. Tio Joca, Senhor Brandino, o Felipe tamm foi do artesanal, hoje
está industrializado. Então, eu comecei no artesanal, fiz cerca, de 12 barcos
totalmente de forma artesanal, depois começou a vir ás máquinas, hoje tem
máquinas que você pega uma casaria dessas e tu não cola mais a fórmica, ela
vem pronta e colada da empresa, então foram essas coisas que mudaram, e eles
não, eles trabalhavam mesmo porque eram craques, eram gênios do artesanal, o
pessoal antigo pegava o molde do barco, iam para o mato, viam o tipo da madeira,
cortavam a madeira e passavam o traçado para fazer as cavernas, hoje você trás a
madeira de qualquer jeito, coloca a forma em cima, leva para a serra e daqui a
pouco está feita uma caverna. Não exista parafuso, era tudo no trado e no torno de
madeira, hoje é tudo no parafuso então acabou o artesanal. A construção naval, o
barco de pesca no caso, está tudo feito de forma industrializada. Hoje as coisas
acontecem através do computador, mas o computador é burro o homem é que é
inteligente, então sempre tem que ter o material humano, mas agora à mão está
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auxiliada por uma barbaridade de máquinas, é o nosso caso aqui, então o artesanal
na construção naval acabou, não o meu, mas em todos os estaleiros. Tio Joca
não chegou a acompanhar essa evolução, o que se fazia no serrote, hoje se faz
numa serra fita, o que se fazia no esquadro hoje não se faz mais. Então não precisa
mais saber trabalhar hoje, a máquina trabalha por você, e hoje tem poucos, eu me
considero, modéstia parte, um dos que ainda pegou esse saber fazer e o Felipe,
pois os demais já veem formados da indústria. Se eu chegar perto de algum
funcionário e pedir para fazer uma broca de prego ele não vai saber fazer, e nós
aprendemos a fazer, pois senão a gente passava necessidade. Se pegar um trado, e
mandar furar uma quilha de uns 50, 60, 70 centímetros, eles não sabem como
começar e a gente furava na mão, então ali é o artesanal.
5 Que influências, possuem seus antepassados sobre você em relação as
suas habilidades artesanais?
Essas coisas que aprendi foram passadas de geração para geração, meu pai foi
outro nio nessa área, que ele não teve tanta oportunidade como teve o tio
Joca. Ele teve oportunidade de trabalhar com o Dário Brandino, e ele era um mito,
um homem do outro mundo na construção naval na época, na carpintaria da ribeira,
ele era o avô do Felipe. Era coisa de outro mundo, isso nos anos trinta (30). O outro
tio do Felipe tamm, o senhor Hidelbrando, então eles eram gênios, era na mão,
era artesanato mesmo. Hoje você pega uma madeira de um barco desses, você vai
ali e tira os pontos, coloca na estufa, esquenta, pega os grampos, prende, e ela fica
no molde do barco, e naquela época não, tinha que ser feito tudo na mão, não tinha
estufa, não tinha grampo, não tinha nada.
6 Quantas pessoas você conhece que ainda atuam nessa prática?
Hoje que eu conheço somos eu e o Felipe, não tem mais ninguém que faça isso, até
por que não tem mais como ensinar uma coisa que não existe mais, pois eles
aprenderam na máquina. Eu tenho um sobrinho que trabalha muito bem, é um
“cobra”, mas trabalha na máquina, se pedir para realizar o trabalho na mão ele não
faz, porque ele aprendeu na máquina. Quem vai andando mais pra frente vai vendo
coisas mais modernas ainda nesta área da construção naval, por exemplo: antes
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você levava dois a três meses para fazer uma casa dessas de madeira, agora é dois
toques, três dias a casa aparece pronta. Antes você tinha o carpinteiro civil, hoje ele
é carpinteiro industrializado, as máquinas fazem tudo, você regula essas máquinas
que cortam o MDF e ela faz tudo sozinho, é que nem os móveis pré-fabricados, tudo
feito através de máquina, se for pedir para fazer na mão é difícil encontrar um que
faça. Os marceneiros atuais trabalham quase todos dessa forma, é difícil encontrar
um que saiba fazer de forma artesanal e que tamm contenha o conhecimento
sobre a qualidade da madeira, muitos desconhecem a madeira que estão
trabalhando, trabalham com madeira industrializada, eles não tiveram a
oportunidade de ver elas nativa no mato, na serraria como é o nosso caso e
experiência. A madeira MDF vem pronta em sua forma, se tem o trabalho de
cortar, medir, parafusar e pronto. Então, hoje à construção civil e naval estão
industrializadas, acabou o artesanal, e que bom, pois, você não encontra mais
profissionais artesanais para trabalhar, são muitos poucos que se interessam,
querem computador, celular e essas novas tecnologias.
7 Ao iniciar um novo trabalho, quais são suas fontes de inspiração?
Eu me inspiro em fazer aquilo com amor, porque eu tenho esse dom, eu não lembro,
de ter feito um barco que não produzisse, ou um barco que desse errado, porque
quem trabalha comigo, se blasfemar um nome eu mando embora. Quem trabalha de
cara feia aqui comigo, ou trabalha zangado tamm não continua. Tem que
trabalhar e gostar do que faz. Então eu faço e ensino que se faça com carinho, com
dedicação, com amor. Aqui não se joga uma ferramenta, não se bate de qualquer
jeito no barco, então esse é o meu pensamento, minhas regras e atitude com os
funcionários. Mesmo que uma tábua seja ruim de tirar, eu o quero que
lambada, ou que fique nervoso para quebrar o bote. Se tiver que cortar que se corte
com calma, eu não gosto que faça de qualquer jeito. Então esse talvez seja o maior
segredo, porque quando eu começo eu começo com carinho. Eu tamm, me
inspiro, nos outros barcos que eu fiz para trabalhar igual, porque a pessoa que
investe num barco tem que ter retorno e se o barco der errado não vai ter retorno. O
que tiver errado, eu sou daqueles, que eu mesmo faço o trabalho, eu mesmo não
gostei, eu mesmo desmancho e faço tudo de novo. E se tiver errado aqui, a
construção de um barco, ou que vier uma peça de fora, um motor, um prestador de
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serviço de fora como um mecânico ou um eletricista e a coisa estiver errada eu
mando desmanchar, não tenho medo. Eu sempre digo para todos, pode até parecer
soberba, mas aqui não se faz porcaria. Outro dia aconteceu aqui, fizemos um barco,
um barco bem feito, o cara foi botar o leme e colocou errado. Estava tudo pronto
quando eu cheguei, mas o leme estava errado. Cheguei do lado do dono do barco e
disse: Está errado, eu vou mandar desmanchar. Ele me perguntou: mas você vai
desmanchar mesmo? E eu disse sim, porque está errado. O mecânico que fez a
instalão era um profissional dele, mas eu disse: Aqui não se faz porcaria, se você
não quiser desmanchar eu vou mandar pegar o meu mecânico aqui e remontar tudo.
O cara fiou meio assim, mas desmanchou tudo e fez certo. Então, o que eu vejo
errado, eu mando desmanchar. Perfeição não existe, mas eu tenho mania de
perfeição, e isso é meu mal. O meu trabalho é todo igual. Um barco, não se faz dois
lados, se faz um lado e se copia o outro para ficar o barco igual. Se eu olhar, e
reparar alguma imperfeição eu mando desmanchar, pode ser quem for, pode ser o
Rei, mas eu mando refazer. Quem trabalhar comigo, eu gosto de ensinar, e para
aprender se deve aprender para fazer bem feito. Sou ruim de trabalhar, sou enjoado,
nojento, é ruim de trabalhar comigo, agora, mas se aprendeu a trabalhar vai saber
fazer bem feito, porque estou sempre orientando, não xingo, mas se estiver errado
pode desmanchar, porque não presta. Então, eu sou desse tipo, não sou perfeito,
mas tenho mania de perfeição. Talvez esse seja um defeito meu, porém meu barco
trabalha, produz, não sai nada fora do que é a construção naval. Assim eu aprendi,
assim eu vou morrer, e assim eu estou ensinando aqueles que passam por mim. Se
fizer errado vai fazer porque quis, mas eu ensinei a fazer bem feito. A minha
inspiração é fazer bem feito.
8 Como é a rotina de trabalho nesta área, conte-me um pouco do seu dia:
Olha, a área aqui tem uma rotina, mas eu gosto muito de mudar o tipo da construção
naval de um funcionário para outro. Eu não deixo o funcionário fazendo aquilo,
porque senão ele vai aprender a fazer aquilo. Então eu dou diversos tipos de
trabalho. Um faz uma coisa, quando acabar vai fazer essa outra aqui. Então quem
sai daqui, vai sair sabendo construir um barco, pois essa é nossa rotina. Não é
numa única produção, você vai fazer acabamento, por exemplo, você vai para o
serviço grosso tamm. Aquele que está no serviço grosso hoje, vai para o
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acabamento amanhã e essa é a nossa rotina, você chega e não sabe o que vai
fazer, você vai ser orientado, acabou, você vai ser encaminhado para outro serviço
diferente. A pessoa vai sair daqui com experiência, amanhã ou depois ele pode
chegar em qualquer outro estaleiro para trabalhar, ele vai conseguir. Modéstia parte,
as pessoas dizem: Aprendeu com o Zé Olavo, ele sabe trabalhar. Quando a
Naveship começou e teve aquela explosão de se contratar marceneiros, o dono veio
aqui me conhecer. Ele veio aqui, porque falavam de mim quando ele perguntava
para o funcionário que dizia que tinha trabalhado no estaleiro do seu Olavo. Ele
disse para mim: Nós temos tantos funcionários que trabalharam com o senhor, e
você é tão conceituado que eu quis vir aqui conhecer pessoalmente você. Eu
respondi para ele, que foi um prazer, e que se ele veio era porque os que chegaram
até ele eram profissionais realmente. Ele me disse que quando tinha na carteira a
referência que trabalhava no estaleiro do seu Olavo podia contratar. Ele
comentou que quando vinha daqui do estaleiro, sabia desde a fórmica até botar um
convés num rebocador daqueles. Sabia botar um parafuso, com a parafusadeira
elétrica e sabia apertar alguma coisa com a chave de fenda de mão. Esse então é
meu tipo de trabalho. Eu acredito que uns noventa por cento desses carpinteiros que
estão trabalhando nos estaleiros por aí, passaram por aqui, e aprenderam comigo.
Acontece muito da pessoa, chegar aqui para trabalhar cego, sem nenhum, ou bem
pouco tipo de conhecimento na área. O ajudante que inicia aqui, começa ganhando
cerca de mil e setecentos reais, ai ele vai indo, vai indo, daqui a pouco ele passa
para dois mil e quinhentos, até três mil de salário. Quando ele chega no três mil que
é o momento que a gente começa a tirar o prejuízo do investimento no aprendizado
desse funcionário, chega outra pessoa e oferece três mil e duzentos e ele vai. Aí eu
não aumento, eles chegam e me dizem: Seu Zé Olavo, o fulano me ofereceu três mil
e duzentos reais, você não aumenta o meu salário para eu continuar aqui. Eu não
aumento, eu digo: Pode ir meu amigo, eu não prendo ninguém. Tem um monte de
gente e estaleiro com esse tipo de atitude. Acho isso uma qualidade minha. Tem
outra coisa, estou aqui quarenta e sete anos, a pessoa não precisa chegar para
mim e pedir aumento. Quando eu vejo que a pessoa merece, eu vou ao escritório e
digo: Aumenta tanto o salário do fulano. Chega no fim do mês ele até se surpreende
quando recebe a folha. Outra disciplina nossa aqui é que ninguém sabe quanto cada
um ganha. Eles sabem que quando entra o salário é de R$ 1.700,00, mas depois
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não. Eu peço mesmo para eles O que tu ganhas é contigo, não diz para ninguém
quanto tu ganhas.
9 Por que os jovens estão abandonando esta prática?
Primeiro, é minha opinião. O trabalho pelo seu jeito em si. É um trabalho pesado,
você trabalha com fórmica, com madeira pesada, que tem que ser quatro ou cinco
pessoas para virar uma prancha, um barco no começo. Segundo, o as facilidades
que o jovem tem em lidar em casa, com o computador, com a necessidade de
estudar, pois hoje o que prevalece é você ter um canudo. E terceiro, porque
pouco interesse na constrão naval, vejo que, daqui há uns dez anos, aqui no
estaleiro terão dois ou três trabalhando. Nós temos aqui vinte e poucos
funcionários, mas como disse daqui há dez anos serão só uns cinco ou seis, pois, os
demais estarão todos aposentados e vejo poucos querendo começar.
10 Quais dicas você daria para um jovem que está começando nesta prática?
Meu conselho é que vá em frente, porque enquanto existir o mar e existir
embarcações, o ser humano precisará da pesca. O material empregado será outra
coisa, não será mais os vindo da floresta amazônica, mas sim será material
produzido por reciclagem de madeira, por reflorestamento, agora o profissional terá
que ter, e eu digo: vá em frente, porque daqui uns dez anos, um carpinteiro naval
que nem um nosso aqui, vai estar ganhando mais que um médico que trabalha nos
postos de saúde, mais que um advogado, porque essa será uma profissão que vai
depender muito de mão de obra especializada. Eu tenho um guri aqui, que veio do
Pará, menino que chegou aqui e que vai fazer dois anos em setembro. Quando
chegou eu vi que tinha uma noção. É aquele menino que estava lá trabalhando
comigo, futuramente ele vai ser um dos grandes carpinteiros da ribeira da indústria,
eu não tenho dúvida, ele tem vinte e um anos e já está pronto para enfrentar
qualquer tipo de trabalho. Aquele eu tenho certeza que daqui dez anos será um
dos chefes da construção naval, porque ele gosta e tem interesse de aprender, o
resto o vejo mais ninguém. Tenho outros meninos que trabalham aqui comigo,
mas estão estudando para se formar em outras coisas, mas vejo aqui comigo e
com vinte e um anos, esse menino, o resto já com trinta, trinta e cinco anos, outros
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já estão com meia idade, estão com vinte, trinta anos de carteira e daqui a pouco
vão estar aposentados. A maioria dos jovens estarão no futuro trabalhando nos
reparos e não na construção, pois acredito que no futuro essa área da construção
naval terá uma queda grande, principalmente por causa da frota mesmo, tem muitos
barcos, e será necessário dar uma aguentada e tamm pelo fato do material, pois
você terá dificuldade de achar uma roda de proa, que a primeira que vai ali na frente,
uma quilha, já estamos com dificuldade de achar hoje, madeiras de sete metros de
comprimento para colocar no lateamento, que é o que usa para fazer o convés que a
gente chama, o assoalho, já não achamos com facilidade esse tipo de madeira. Hoje
se alguém chegasse perto de mim e me dissesse: Senhor Zé, me constrói um barco
de trinta metros de madeira, eu vou dizer: eu não aconselho pois, será difícil de
acabar e teremos dificuldade com a madeira, Esses barcos de vinte metros você
ainda acha o material, mais o barco de trinta está muito difícil, não encontras mais
uma madeira que tenha nove metros, tens que emendar no meio e isso deixa o
barco mais fraco. Recentemente o pessoal das madeireiras tem encontrado diversas
dificuldades lá no Pará, Mato Grosso, Rondônia e isso afeta aqui, ficamos
praticamente dois meses sem receber material aqui, agora começou outra vez, estão
essa é minha opinião.
11- Que tipos de madeira o utilizados na construção dos barcos, e como se
dá a construção do esqueleto base?
As principais estão na faixa das chamadas garapeiras que alguns chamam de
grápia, tem o Ichampagne amarelo, que alguns chamam de cumaru, mas diria
que noventa por cento são as garapeiras, pois, elas não são boas para móveis, nem
para exportação, porque se prestasse também não vinha mais. Hoje por exemplo:
não vem mais cedro, o cambará está vindo para a construção civil, o cedrinho e a
itaúba tamm pararam de mandar porque estão exportando tudo. entra a
legislação brasileira, quando eles criticam fora a Amazônia, estão levando a
madeira toda de lá, toda ela está servindo para exportação, e neste caso o Brasil
precisava ver sua condução e atender primeiro o mercado interno, mas infelizmente
isso não acontece, a madeira boa, de primeira categoria, a nata vai para exportação
e a porcaria fica aqui, daí como é que a gente vai entender se lá fora brigam por
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causa da defesa da Amazônia, mas levam a madeira para lá. Não de entender, e
desta forma nós ficamos com a garapeira porque não serve para exportar.
12 Conte um pouco sobre a origem do seu estaleiro:
O nosso estaleiro aqui começou em 1970. Foi um deputado da cidade de Pomerode
que se chamava Knaesel. Ele tinha dois senhores aqui, mas não deram certo, daí eu
trabalhava há dez anos no estaleiro do espanhol, eu estava com vinte e nove anos e
apareceu esse espaço para vender por cento e setenta mil cruzeiros na época. Eles
queriam setenta mil cruzeiros de entrada e vinte prestações de quatro mil e
quinhentos cruzeiros por mês. eu tinha dinheiro e comprei. Damos o nome de:
Estaleiro Navegantes. Quando foi em 1980, infelizmente, eu tinha um irmão
chamado Osvaldo, que trabalhava com marcenaria, ele tinha um espaço de
marcenaria aqui dentro, daí um dia ele inventou uma peça de uma máquina e teve
um acidente, vindo a falecer. Ele se acidentou aqui dentro e veio a falecer no
hospital de Blumenau. Ele morreu no dia 10 de agosto de 1980, e quando foi em
1981 nós rebatizamos o lugar como Estaleiro Dom Osvaldo, em homenagem a ele.
Daí ficou Estaleiro Dom Osvaldo até uns tempos, toda a documentação está com
esse nome, mas se alguém perguntar pouca gente sabe onde é, eles conhecem
aqui como estaleiro Zé Olavo.
13 - Quantos estaleiros existem em Navegantes?
São 15 estaleiros, contando desde o Macarini até a ponte próxima que entra para o
bairro Salseirinho onde tem três estaleiros que são: os do Pedroca que é o Patrício,
o do Valdelino e o do Dedé. Esses estaleiros ficam na faixa onde o Rio Itajfaz a
curva, próxima a ponte. Aqui somos, em cinco estaleiros, um ao lado do outro. Tem
o Macarini, o D’Leon, Santa Gertrudes, o nosso e o Atlântico Sul, um extremando
com o outro. Depois pra frente tem mais três, o do espanhol, o do Souza e a Soldex.
Depois para frente tem o do antigo nego e outro que não me recordo o nome.
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14 O estaleiro recebe algum subsídio das esferas de governo para
impulsionar os trabalhos?
Não, nunca recebemos nada. O Governo Federal só faz a gente andar para trás com
o Ibama, que de vez em quando chega aqui, para reclamar da madeira. Ao invés de
incentivo nós temos o desincentivo. Quando a gente meche com a madeira, a gente
meche com o meio ambiente, daí eles querem saber sempre qual a origem da
madeira, e nós comprávamos a madeira direto do produtor que fica no Estado do
Pará. Paramos de comprar, porque às vezes a madeira não vinha como era para ser
e gerava problema. Hoje s compramos direto da empresa autorizada, que é mais
cara, mas você não se incomoda você escolhe a madeira, retira a nota do jeito que
tem que ser e acabou. A madeira que nós comprávamos do Pará, a gente tinha que
ter um registro, e se você não tiver esse registro com o Ibama você não compra.
Então a gente não tem incentivo nenhum, nem da prefeitura, nem do Estado, nem
do Governo Federal, somente impostos.
15 Tem alguma história que você gostaria de contar sobre a construção
artesanal naval?
A história que eu gosto de contar, e que me marca é sobre o próprio Tio Joca, que
era uma lenda viva na construção naval. Ele era um homem que sabia tudo, aliás,
não só sobre naval, mas sobre a madeira. Você atuar com a construção naval é uma
coisa, mas você trabalhar com construção civil, e com madeira é outra coisa, e ele
trabalhava com tudo, se precisasse com a madeira ele fazia um avião. Ele era um
homem que fazia uma caixa, um baú como se diz, e a dobradiça ele fazia de
madeira, ele fazia essa caixa abrir com uma dobradiça de madeira, então ele era um
gênio. Se ele pega o nosso tempo, com essas máquinas todas que temos aqui, acho
que ele fazia o barco sair voando. Então para mim ele foi um gênio, pois fazia tudo
na mão. De ser humano que eu conheci, que eu vi trabalhar, que eu tenho certeza
de que é difícil ter igual, essa é a história que eu gosto de contar. Eu tive a honra e
o prazer de trabalhar com ele na construção civil e na construção naval. Eu comecei
com ele na construção civil, como ajudante, depois, passei para a construção naval,
daí ele adoeceu, teve câncer na garganta, e ele se comunicava com aquele aparelho
(mangueira) na garganta. A gente se dava tão bem, que ele nem precisava fazer
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esforço para continuar a falar que eu entendia o que ele queria, então trabalhei
com ele por bastante tempo, e quando ele não pode mais eu fiquei. E isso é meu
orgulho, de ter trabalhado com ele. Tio Joca tem um filho, mas com todo o respeito
ao Odéssio, que é um baita de um carpinteiro da ribeira, faz barcos como ninguém,
mas perto do pai ele é um ajudante. Eu me sinto, com 57 anos de carpintaria naval,
sendo que construí tudo quanto é tipo de barco, veleiro, iate, tudo o que você
imagina na construção naval, e barco boiado eu já fiz. De 35 metros até esses papa
lavagem, que o pessoal chama, esses botinhos de 3,4 metros eu já fiz, mas eu me
sinto um ajudante se for me comparar ao Tio Joca. Não tenho vergonha de dizer, eu
seria um ajudante hoje ao lado dele. Com essa experiência que eu tenho de 57
anos, com essa experiência de fazer tudo quanto é tipo de barco, desde a quilha, até
os acabamentos e fórmica. fiz iates para os Estados Unidos, mas mesmo assim
meu me sinto um ajudante perto do Tio Joca. Ele foi meu ídolo da construção naval.
Costumo dizer que ele é de outro mundo quando se trata de trabalhar com madeira.
Tudo o que você imaginar na madeira ele fazia. Ele tinha uma marcenaria atrás da
casa dele, que as ferramentas, vopegava um formol, passava no braço, virava
uma navalha, porque ele tinha um capricho muito grande com as ferramentas, um
zelo, um cuidado. Ele tinha as ferramentas todas penduradas, e essa, é a história
que eu gosto de contar, e conto ela com orgulho de eu ser um aprendiz dele, sendo
que ainda hoje eu me sinto um aprendiz do Tio Joca. Se ele tivesse a oportunidade
que eu tive, com o trabalho industrializado imagina hoje o que ele o faria. Ele
deixou um legado, deixou eu e um filho. O filho um excelente carpinteiro da ribeira,
mas nunca teve a oportunidade de ter um estaleiro. Eu acabei sendo mais arrojado,
mais atrevido. A oportunidade que surgiu para mim, talvez o tenha surgido para o
Odéssio, que tamm a oportunidade para mim surgiu, porque eu o me
empolguei pelos R$ 3.200,00 cruzeiros, que o caboclo vinha me oferecer quando eu
estava começando. Eu fiquei na mesma empresa por dez anos, e olha que eu recebi
propostas, dos anos 67 até eu comprar isso aqui, quase todos os dias vinha gente
na minha casa, pedindo para eu empreitar um barco aqui, fazer outro lá, que eu
sempre fui fiel com o espanhol. Dez anos eu trabalhei somente para ele, e quando
eu saí, foi para trabalhar para mim. Foi o que não aconteceu com o Odéssio,
aconteceu com muitos que se aposentaram ganhando um salário mínimo, por estar
voando, por aceitar outros empregos por duzentos reais a mais, na época era
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cruzeiro. O espanhol ainda existe, mas o estaleiro, que é tocado hoje pelo filho
que também aprendeu muita coisa com s. Mas eles eram tamm gênios da
construção naval. Tinha o senhor Gumercindo pai do Belarmino e o senhor Ângelo
Veiga, e eu também aprendi com eles muitas coisas. Na verdade eu nunca trabalhei
de ajudante, eu via fazer e ia fazendo. Tio Joca fazia, eu via e fazia. que como
ele trabalhava o bem, foi fácil de eu aprender a fazer bem feito. Daí cheguei no
espanhol, e trabalhei com esses dois, o Gumercindo e o Ângelo, que tamm o
deste tipo da mania de perfeição, então tudo me ajudou. Na minha escola eu tive
professores perfeitos. Tio Joca primeiramente, depois o senhor Gumercindo e o
senhor Ângelo. Então, eu via eles fazerem e ia fazer igual, e isso me aperfeiçoou e
me tornei esse profissional, porque tive bons professores. O Odéssio acabou
pulando muito de galho em galho, então isso confunde porque trabalha aqui,
trabalha ali, e isso atrapalha em pegar experiência em guardar um trocado. Eu
trabalhava até as onze horas da noite, depois peguei empreitada até as duas da
manhã, para poder guardar os setenta mil cruzeiros e comprar isso aqui para mim e
dar um pulo mais alto. Dava a hora ele vinha embora. Então, além da oportunidade
eu me dediquei, eu trabalhei, tenho pouca coisa, mas o que eu tenho para o meu
tamanho já é muito. Foram 57 anos de trabalho duro. Nunca trabalhei de domingo,
mas de sábado sempre até às quatro, cinco horas da tarde. Fim de ano eu não
trabalhava natal e ano novo, mas dia 24 e 31 eu trabalhava para juntar o dinheiro. O
Felipe que te digo, que também é um gênio, tem bastante coisa, mas também
porque ganhou do pai, recebeu a herança, aliás recebeu do avô, e eu não, eu
comecei do nada e fui evoluindo e adquirindo as coisas com meu trabalho. Adquiri
com muito suor no rosto, com a ousadia de um guri de 29 anos, de comprar um
negócio próprio, uma empresa. Hoje não, mas naquela época de 47 anos atrás, o
que eu fiz foi uma ousadia. que eu tinha conhecimento de barco e sabia
trabalhar, não tinha como dar errado. Todos os meus clientes que souberam que
sai do espanhol passaram para cá. Lembro que o senhor Ângelo me disse: Estais
enfraquecendo o nosso time, mas vai que tu mereces. O Jorge, que é um outro
irmão, ficou de cara feia, mais o senhor Gumercindo me orientou: Não te mete em
banco que tu vai ir bem, faz as tuas coisas com os pés no chão. Eles sempre foram
parceiros, até hoje. Se precisar de alguma coisa é lá. Aliás, tenho que frisar que
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todos os estaleiros são parceiros, somos concorrentes, mas somos parceiros, um
ajuda o outro no que precisar.
16: Conte-me sobre seu pai e seus antepassados:
Meu pai se chamava Olavo Honorato Coelho, ele também era um gênio, mas não
teve tanta oportunidade quanto o Tio Joca, nunca trabalhou em estaleiro, ele
trabalhava em casa, mas tinha grande conhecimento sobre a madeira e o
artesanato. Meu pai ia no mato, pegava uma raiz de figueira e fazia uma gamela,
fazia pratos, tudo artesanal, tudo na mão, meu pai foi do artesanato. A minha família
Coelho, meu avô Honorato Coelho, pai de meu pai era outro grande carpinteiro, ele
ia no mato cortava uma madeira que nós chamamos de Pique, cortava dois paus
desse pique de noite, de manhã ele transformava em um par de remo para de tarde
vender no Pontal, dois remos feitos a mão. Meu avô trabalhava nisso, fazendo esses
remos, o pessoal vinha e encomendava, a madeira era cil, dava para arrumar e
selecionar a madeira que ele queria, e depois trazia para fazer o par de remo, que
era a coisa mais lindo do mundo. Então a carpintaria vem do sangue. Hoje, os meus
dois filhos trabalham comigo, mas não sabem pregar um prego, não quiseram. O
Fábio que estava cuida da parte financeira. Nós temos barco de turismo que é o
outro filho que cuida lá em Balneário de Piçarras. Tenho tamm dois netos
trabalhando aqui comigo, um está no segundo ano de engenharia mecânica, então
não vai seguir na carpintaria naval e outro neto de dezessete anos, é inclinado à
carpintaria, ele gosta, mas como ele gosta muito do mar, ele pensa, fala que o sonho
dele é ser comandante desses navios de turismo, de transatlântico, então
dificilmente vai seguir esse caminho da carpintaria naval, sendo que o sonho é o
mar. Ele trabalha em terra aqui comigo, mas quer o mar. Está se preparando para
quando completar dezoito anos seguir esse caminho, e fazer, um curso, para a
marinha mercante. Tenho certeza, que ele vai se sair bem, porque é um guri
inteligente, conhece tudo de mar, de embarcações, faz o que quer com o motor, com
o leme, então vai se dar bem, ele quer ser comandante e vai, tenho certeza. Acredito
que com vinte três, vinte quatro anos ele deve estar comandando um
transatlântico desses.
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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:
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